Em
1999, quando a popularização do uso da Internet tinha começado havia apenas uns
quatro anos, publiquei um livro chamado Media
Training, contendo orientações para o relacionamento de representantes de
empresas e organizações com os jornalistas, que compreende um último capítulo,
intitulado “O Fim da Comunicação Social”.
Nesse
texto, 16 anos atrás, eu afirmava, entre outras coisas, que, “no Brasil, a
comunidade que utiliza a Internet – que tem dobrado de um ano para o outro – já
correspondia, em Agosto de 1999, à população da segunda maior cidade
brasileira. Oito milhões de pessoas, espalhadas por vários estados, sentadas à
frente de seus computadores individuais, em casa ou no escritório, já
constituíam, naquela data, população maior que a do Rio de Janeiro e só
inferior à de São Paulo.”
Entre
parênteses, observe que, de Agosto de 1999 a meados de 2013, essa população passou
de oito milhões para 105 milhões, mais da metade dos habitantes do Brasil – e
ninguém precisa mais de um computador para navegar na Internet: um celular
basta. E logo, provavelmente, nem esse aparelhinho será mais necessário.
Escrevi
também nesse mesmo texto que, devido ao avanço da Internet, “aquilo que nós nos
acostumamos a chamar de ‘grande imprensa’ – no Brasil, jornais como Estadão, Folha de São Paulo, O Globo, Jornal
do Brasil e revistas como Veja, Isto
É, Época etc. – está em vias de perder sua presença dominante e sua imensa
capacidade de influência. Porque não será mais o jornalista ou o jornal quem
decidirá o que é notícia, mas sim cada pessoa que possua um computador. Hoje
uma assessoria de imprensa que consiga a inclusão de determinada notícia de um
seu cliente em todos esses sete veículos é um sucesso extraordinário. Amanhã
essa façanha pode não ter significado tão especial, pois o valor relativo
dessas publicações será muito menor.”
Afirmei
ainda, naquele mesmo capítulo de Media
Training: “Cada vez será mais necessário que o trabalho de divulgação seja
realmente integrado com a função maior de Relações Públicas, de tal forma que
os textos transmitidos aos diferentes setores específicos dos públicos-alvos
(não necessariamente através do que hoje chamamos ‘imprensa’, mas mais
diretamente), para divulgar as marcas de produtos e serviços, sejam relevantes
para cada fatia do público. Caso contrário, não atingirão objetivo algum.”
Quando
meu livro foi publicado, há quase duas décadas, época em que a Internet ainda
engatinhava, fiquei temeroso pela ousadia dessas previsões. Afinal corria o
risco de, com o tempo, ver a realidade desmenti-las todas.
Feliz
ou infelizmente, porém, o que se tem observado é sua confirmação. Como ocorre no
livro recém-publicado “Journalism and PR – Newsmedia and Public Relations in
the Digital Age”, dos acadêmicos britânicos John Lloyd e Laura Toogood, em
edição do Reuters Institute for the Study of Journalism da Universidade de
Oxford (disponível no site
Amazon.com.).
Os
autores do livro afirmam, por exemplo, que “a internet é a maior fonte das
mudanças que agora observamos entre os ofícios complementares do jornalismo e
das relações públicas. A facilidade de acesso a ela, sua vasta memória e seus
imensos bancos de dados tornam todas as atividades mais transparentes, forçando
todas as organizações a ter maior abertura. A mídia social amplia a
transparência – e abre uma demanda infinita pelo engajamento em todos os
níveis, dos poderosos grupos empresariais aos próprios indivíduos. Esse fato
valoriza imensamente um constante fluxo de mensagens de entidades e pessoas
proeminentes, tanto de forma proativa como reativa.
“Reputações
– prossegue o livro – não mais são construídas ou perdidas num diálogo diário
entre os profissionais de relações públicas e os da mídia. Em vez disso, na primeira
metade do século 21, ambas as partes estão redefinindo seus papéis – e seus
modelos de negócios – para uma nova era da informação, em que nenhuma delas põe
em prática as estratégias e táticas que empregavam no passado.”
O
importante de tudo isso – pois o acerto das previsões que fiz em 1999 só vale
para gratificar minha vaidade pessoal – é que qualquer pessoa que milite hoje
em Relações Públicas sabe que nosso mundo mudou radicalmente e nos coloca
diante de vários desafios para os quais estamos ainda tateando para encontrar
soluções. Até porque sabemos também que essas soluções que viermos a descobrir
serão alvos móveis, cujas posições se alterarão no espaço e no tempo, passando
a exigir ainda outras respostas.
O
que nos remete ao título deste artigo, Comunicação e Controvérsias na
Perspectiva da Comunicação Integrada, que inspira a enumeração de alguns dos
principais desafios que se colocam perante os profissionais de Relações Públicas,
seja quem atua na iniciativa privada ou no Estado, em grandes organizações ou
em pequenas assessorias prestadoras de serviços.
O
primeiro desses desafios é justamente, a meu ver, a interatividade,
pulverização e convergência dos meios de comunicação, que conduz às
necessidades de:
1.
conhecermos a fundo o funcionamento e os
protagonistas principais das redes sociais, sabermos utilizá-las e dispormos
das ferramentas adequadas para operá-las de forma eficaz para nossos objetivos
de comunicação;
2.
dialogarmos com indivíduos cada vez mais,
em vez de, como no passado, enviarmos mensagens unilaterais a grandes segmentos
da população (“públicos-alvos”), por meio da imprensa;
3.
encontrarmos maneiras de atrair nossos
destinatários para o que temos a dizer (porque fica cada vez mais difícil “atingí-los”,
como se dizia no passado), em meio ao bombardeio permanente de mensagens que
eles recebem ou podem acessar, por uma variedade de canais, inclusive os sites da grande mídia tradicional, as
máquinas de pesquisa etc.
Um
segundo desafio é o convívio que continua a existir entre esse novo paradigma
eletrônico e os jornais, revistas, rádio e televisão, que, ainda que
relativamente menos influentes, continuam a ter grande poder. Precisamos saber operar
com a nova mídia, especialmente com as redes sociais cada vez mais abrangentes;
e também, ao mesmo tempo, com os veículos tradicionais, com suas características
específicas.
Aprendemos
durante décadas a trabalhar com porta-vozes, que geralmente eram os principais responsáveis
pela função de Relações Públicas. Pois essa figura clássica do porta-voz, a
única pessoa que falava pela organização, não mais existe, ou melhor, deixou de
ser única – e aí está mais um grande desafio para Relações Públicas nos nossos
tempos. Precisamos nos acostumar – e trabalhar – com a ideia de que, além do
porta-voz, que manifesta a palavra oficial de uma organização, todos os integrantes
dessa entidade, seja empresarial, do serviço público ou do terceiro setor,
passaram a também poder dar informações e opiniões (com autoria expressa ou no
anonimato) sobre a organização em que atuam, na medida em que tenham acesso a
um celular e à Internet.
Isso
significa a necessidade de um trabalho intenso junto ao público interno, para
que seus integrantes saibam se manifestar com propriedade e oportunidade sobre
a organização. E eles só o farão se, em seu íntimo, estiverem identificados com
os valores e a atuação da entidade, o que torna ainda mais complexo o desafio, nestes
anos em que a impaciência dos jovens da geração Y se cruza com o fim da
longevidade dos empregos. Essa valorização do público interno – que pode ser
embaixador ou algoz de sua organização, dependendo da qualidade de seu
relacionamento e identificação com a entidade a que pertence – se reflete até
mesmo na evolução do nome do cargo dos gestores dessa área, que antigamente se
chamavam gerentes de relações com empregados, passaram a gerentes de pessoal,
depois de recursos humanos, ultimamente usam o cognome de gestores de pessoas.
Nessa
esfera, a propósito, outro desafio com que nos defrontamos é a crescente
despersonalização das organizações, devido a seu crescimento e complexidade
cada vez maiores. Tempos atrás, elas tinham a proteção institucional de seus
líderes de high profile: o “capitão
de indústrias”, o grande banqueiro, o médico ou advogado famoso, o general por
todos conhecido. As palavras desses atores tinham “peso”, credibilidade. Quando
falavam por suas organizações, as pessoas prestavam atenção.
Atualmente,
porém, essas figuras “maiores que a vida” não mais existem. Nas grandes empresas
e entidades, a principal autoridade em geral não é mais o “dono”, mas sim um
executivo contratado. Além disso, vigora uma rotatividade cada vez maior,
inclusive internacional, nas posições executivas; e a dimensão e sofisticação
das organizações não permitem que uma única pessoa possa falar com propriedade
sobre todos os seus meandros.
Nas
maiores empresas, aliás, esse processo de despersonalização alcança um nível
ainda mais alto, em virtude de seu capital estar nas mãos de milhares de
acionistas, em sua maioria ilustres anônimos, cujo único interesse é o
rendimento trimestral de suas ações e para os quais o desempenho institucional
da empresa de que são acionistas só passa a ter interesse em caso de crise de imagem
e comunicação, porque isso deprecia o valor de suas ações e prejudica seus
ganhos.
Para
dar maior concretude a essa afirmação, tomemos um caso bem atual e que todos
conhecem: a crise de imagem que assola a Petrobras devido às investigações da
Justiça e da Polícia Federal. Os inúmeros acionistas nacionais e estrangeiros
da empresa certamente nunca se preocuparam tanto como agora com a necessidade
dela ter valores positivos e fortes, bem como de investir em comunicação institucional.
Quando não há crise, acham que essas preocupações e esses investimentos “só dão
despesa” e por isso diminuem o ganho financeiro dos acionistas, portanto devem
ser reduzidos, quando não eliminados.
Coloquemos
algumas cifras em mais esse desafio da comunicação institucional, causado pela concentração
financeira e pela pulverização da propriedade das empresas, nas mãos de
incontáveis e anônimos acionistas, para dar ideia concreta de seu imenso
avanço. No livro “Media Training” registrei que “segundo a UNCTAD-Conferência
da ONU para Comércio e Desenvolvimento, o número de fusões e aquisições entre
grandes conglomerados internacionais, considerando apenas as operações
superiores a US$3 bilhões, quadruplicou entre 1996 e 1998, passando de oito a
32 por ano e somando, neste último ano, US$600 bilhões.”
Pois
aqui no Brasil, apenas em 2014, registraram-se nada menos de 879 fusões e
aquisições, que movimentaram valor superior a US$108 bilhões. Esses negócios alcançaram
naquele ano o maior número da História em nosso país – e prevê-se que esse
nível deverá ser mantido em 2015. O que fatalmente terá como consequência uma
dissolução ainda mais intensa da imagem institucional de empresas e marcas.
Relações
Públicas, bem como outros serviços, como publicidade, advocacia, medicina,
costumavam ter no passado um perfil de artesanato. Quando “o mundo era menor”,
a sociedade e a economia menos complexas, destacavam-se individualmente os
poucos profissionais excepcionais, que cuidavam pessoalmente de seus clientes
ou empregadores, criando estratégias e soluções, liderando sua execução e
garantindo seu sucesso.
O
crescimento e a maior complexidade de nossa sociedade e organizações tornaram
obsoleto esse modelo – o que também gera um importante desafio de nossos dias.
Os serviços de Relações Públicas atualmente precisam dispor de uma quantidade
muito maior de pessoas (menos famosas), porque passamos do artesanato à
produção industrial, o que significa muito maior investimento em recrutamento,
seleção, treinamento e aprimoramento permanentes por educação continuada e
manutenção de profissionais capacitados.
Em
todos os países, democráticos ou não, as pressões da sociedade, que em poucos
anos passou de uma atitude contemplativa para uma postura cada vez mais atuante
e vocal, forçam as organizações a adotar crescentemente um perfil de
sustentabilidade – e aqui encontramos um novo e intrincado desafio para os
profissionais de Relações Públicas na atualidade.
Esse
paradigma da sustentabilidade exige que a organização tenha uma atuação em
conformidade com os padrões institucionais exigidos pela sociedade, em áreas
como a ambiental; de relacionamento e diálogo aberto com seus funcionários ou
servidores; de governança financeira, compliance
e combate à corrupção; de interface com seus fornecedores; de respeito aos
direitos humanos; de responsabilidade social e participação construtiva e ativa
na melhora da qualidade de vida das comunidades em que atua etc.
Mais
ainda: a sociedade demanda que as organizações sejam transparentes, forneçam
informações exaustivas a seus stakeholders,
as pessoas cuja vida depende dessas organizações ou delas recebem algum tipo de
impacto. Essa transparência, que começa em informações financeiras que reflitam
com precisão o estado da entidade, abrange todos os padrões institucionais exemplificados
no parágrafo anterior e exige que a organização informe quais seus planos de
ação em cada área e divulgue quais seus êxitos – e também quais seus fracassos
– na implantação desses planos.
Por
isso não têm mais serventia os antigos relatórios anuais, em que as
organizações “mostravam o que é bom e ocultavam o que não deu certo”. Por causa
dessa prática aquelas belas publicações em papel lustroso que se costumava
fazer ganharam o pejorativo apodo de “folheto de RP”, por só conterem
auto-elogios e por pintarem com cores positivas toda a realidade que se
desejava divulgar de uma organização – sempre os fatos positivos.
A
sustentabilidade – esse modelo cuja adoção se torna cada vez mais indispensável
– requer ainda que a empresa ou entidade ouça seus stakeholders, indagando quais suas percepções e opiniões sobre a
organização e a seguir divulgando publicamente os resultados obtidos. Os
indicadores internacionais do GRI-Global Reporting Initiative e os brasileiros
do Instituto Ethos aí estão para mostrar todos os critérios para avaliação da
sustentabilidade de uma organização, seja ela privada ou estatal.
Mas
os profissionais de RP, que compreensivelmente encaram com preocupação todos
esses desafios propostos pelo paradigma da sustentabilidade, devem
compenetrar-se de que eles constituem também, na verdade, praticamente um
manual de Relações Públicas na melhor acepção da expressão, pois formalizam no
mais alto nível o desempenho do papel social de uma organização, na medida em
que fazem com que ela ponha efetivamente em prática – e divulgue – ações que se
coadunam com as crescentes exigências da sociedade, especialmente nas democracias.
Finalmente,
um último desafio que se coloca perante nossa profissão é a própria qualidade dos praticantes que as escolas (e a
Internet) colocam no mercado. Uma das maiores dificuldades com que se defronta
quem precisa contratar jovens formados em Relações Públicas, é encontrar
candidatos qualificados.
Hernâni Donato, um grande profissional de RP do
passado, recentemente falecido, escreveu há muitos anos: “Pensa no homem de Relações
Públicas desligado da representação, infenso ao brilho, autolimitado ao silêncio,
versado na tática, na estratégia, na malícia, na balística verbal, no xadrez
das informações e contra-informações, James Bond e Homem de Virgínia, Calligari e Michelangelo, getuliano,
valadaresco, ederjofriano, Mequinho, Pelé e Gilmar. Que planifique, deflagre
situações, levante tempestades, dissolva-as, pinte e borde, não ponha gelo no
vinho tinto, sorria para a matrona que desembrulha um bombom ruidosamente
durante a audição da Paixão Segundo São
Mateus. Difícil, não é? Pois aí está.”
É esse perfil o procurado por quem precisa contratar
um novo profissional. Claro que não se pode esperar que um jovem saído do curso
de RP já seja tudo isso, que requer experiência, vivência, o aprendizado que
vem dos acertos e dos erros. Mas é indispensável que mostre ao menos a promessa
de vir a ser tudo isso. Que demonstre o potencial necessário para alcançar esse
nível de sofisticação. Porque é o que o exercício profissional requer.
No entanto a maioria dos recém-formados está longe
disso. Porque seu Português é pobre, quando não deficiente. Porque lhes falta
leitura e prática da escrita – e também da fala em público. Porque em geral não
sabem Inglês, o que é indispensável no mundo globalizado atual, em que é essa a
língua franca. Porque não têm profundidade de cultura, qualidade de raciocínio
lógico e a capacidade de procurar antever a terceira jogada seguinte e suas
consequências, num jogo de xadrez (se é que sabem jogar xadrez; por isso têm
grande dificuldade para planejar de forma eficaz). Porque não se interessam
pela política ou a desprezam. Porque preferem mandar mensagens de e-mail do que falar pessoalmente ou telefonar.
E
por aí vai. Claro que a maior responsabilidade por essas carências não é tanto da
faculdade – ainda que lhe caiba uma boa parcela – mas sim do sistema educativo
como um todo e dos níveis escolares anteriores, que, quanto mais se aproxima o
vestibular, mais se concentram em inundar as cabeças dos estudantes com
catadupas de informação, em detrimento de sua formação. Seja como for,
lamentavelmente essa é a realidade dos nossos profissionais iniciantes e esse,
a meu ver, é o maior de todos os vários desafios com que se defronta a
profissão de Relações Públicas no Brasil.
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