quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Comunicação e controvérsias na perspectiva da comunicação integrada

Reproduzo abaixo um texto que escrevi, a pedido do Exército brasileiro, para o livro com o mesmo título, que acaba de ser publicado pelo CEP/FDC-Centro de Estudos de Pessoal e Forte Duque de Caxias. Situada no Morro do Leme, Rio de Janeiro e completando neste ano 50 anos de existência, essa é uma das poucas organizações militares com missões diversas de ensino, pesquisa, avaliação psicológica e preservação ambiental e histórica. O CEP/FDC vem trabalhando também pelo aprimoramento dos processos e do ensino no Exército, ao mesmo tempo em que colabora para a reformulação de práticas, políticas e diretrizes.

       Em 1999, quando a popularização do uso da Internet tinha começado havia apenas uns quatro anos, publiquei um livro chamado Media Training, contendo orientações para o relacionamento de representantes de empresas e organizações com os jornalistas, que compreende um último capítulo, intitulado “O Fim da Comunicação Social”.

Nesse texto, 16 anos atrás, eu afirmava, entre outras coisas, que, “no Brasil, a comunidade que utiliza a Internet – que tem dobrado de um ano para o outro – já correspondia, em Agosto de 1999, à população da segunda maior cidade brasileira. Oito milhões de pessoas, espalhadas por vários estados, sentadas à frente de seus computadores individuais, em casa ou no escritório, já constituíam, naquela data, população maior que a do Rio de Janeiro e só inferior à de São Paulo.”

Entre parênteses, observe que, de Agosto de 1999 a meados de 2013, essa população passou de oito milhões para 105 milhões, mais da metade dos habitantes do Brasil – e ninguém precisa mais de um computador para navegar na Internet: um celular basta. E logo, provavelmente, nem esse aparelhinho será mais necessário.

Escrevi também nesse mesmo texto que, devido ao avanço da Internet, “aquilo que nós nos acostumamos a chamar de ‘grande imprensa’ – no Brasil, jornais como Estadão, Folha de São Paulo, O Globo, Jornal do Brasil e revistas como Veja, Isto É, Época etc. – está em vias de perder sua presença dominante e sua imensa capacidade de influência. Porque não será mais o jornalista ou o jornal quem decidirá o que é notícia, mas sim cada pessoa que possua um computador. Hoje uma assessoria de imprensa que consiga a inclusão de determinada notícia de um seu cliente em todos esses sete veículos é um sucesso extraordinário. Amanhã essa façanha pode não ter significado tão especial, pois o valor relativo dessas publicações será muito menor.”

Afirmei ainda, naquele mesmo capítulo de Media Training: “Cada vez será mais necessário que o trabalho de divulgação seja realmente integrado com a função maior de Relações Públicas, de tal forma que os textos transmitidos aos diferentes setores específicos dos públicos-alvos (não necessariamente através do que hoje chamamos ‘imprensa’, mas mais diretamente), para divulgar as marcas de produtos e serviços, sejam relevantes para cada fatia do público. Caso contrário, não atingirão objetivo algum.”

Quando meu livro foi publicado, há quase duas décadas, época em que a Internet ainda engatinhava, fiquei temeroso pela ousadia dessas previsões. Afinal corria o risco de, com o tempo, ver a realidade desmenti-las todas.

Feliz ou infelizmente, porém, o que se tem observado é sua confirmação. Como ocorre no livro recém-publicado “Journalism and PR – Newsmedia and Public Relations in the Digital Age”, dos acadêmicos britânicos John Lloyd e Laura Toogood, em edição do Reuters Institute for the Study of Journalism da Universidade de Oxford (disponível no site Amazon.com.).

Os autores do livro afirmam, por exemplo, que “a internet é a maior fonte das mudanças que agora observamos entre os ofícios complementares do jornalismo e das relações públicas. A facilidade de acesso a ela, sua vasta memória e seus imensos bancos de dados tornam todas as atividades mais transparentes, forçando todas as organizações a ter maior abertura. A mídia social amplia a transparência – e abre uma demanda infinita pelo engajamento em todos os níveis, dos poderosos grupos empresariais aos próprios indivíduos. Esse fato valoriza imensamente um constante fluxo de mensagens de entidades e pessoas proeminentes, tanto de forma proativa como reativa.

“Reputações – prossegue o livro – não mais são construídas ou perdidas num diálogo diário entre os profissionais de relações públicas e os da mídia. Em vez disso, na primeira metade do século 21, ambas as partes estão redefinindo seus papéis – e seus modelos de negócios – para uma nova era da informação, em que nenhuma delas põe em prática as estratégias e táticas que empregavam no passado.”

O importante de tudo isso – pois o acerto das previsões que fiz em 1999 só vale para gratificar minha vaidade pessoal – é que qualquer pessoa que milite hoje em Relações Públicas sabe que nosso mundo mudou radicalmente e nos coloca diante de vários desafios para os quais estamos ainda tateando para encontrar soluções. Até porque sabemos também que essas soluções que viermos a descobrir serão alvos móveis, cujas posições se alterarão no espaço e no tempo, passando a exigir ainda outras respostas.

O que nos remete ao título deste artigo, Comunicação e Controvérsias na Perspectiva da Comunicação Integrada, que inspira a enumeração de alguns dos principais desafios que se colocam perante os profissionais de Relações Públicas, seja quem atua na iniciativa privada ou no Estado, em grandes organizações ou em pequenas assessorias prestadoras de serviços.

O primeiro desses desafios é justamente, a meu ver, a interatividade, pulverização e convergência dos meios de comunicação, que conduz às necessidades de:
1.                conhecermos a fundo o funcionamento e os protagonistas principais das redes sociais, sabermos utilizá-las e dispormos das ferramentas adequadas para operá-las de forma eficaz para nossos objetivos de comunicação;
2.                dialogarmos com indivíduos cada vez mais, em vez de, como no passado, enviarmos mensagens unilaterais a grandes segmentos da população (“públicos-alvos”), por meio da imprensa;
3.                encontrarmos maneiras de atrair nossos destinatários para o que temos a dizer (porque fica cada vez mais difícil “atingí-los”, como se dizia no passado), em meio ao bombardeio permanente de mensagens que eles recebem ou podem acessar, por uma variedade de canais, inclusive os sites da grande mídia tradicional, as máquinas de pesquisa etc.

Um segundo desafio é o convívio que continua a existir entre esse novo paradigma eletrônico e os jornais, revistas, rádio e televisão, que, ainda que relativamente menos influentes, continuam a ter grande poder. Precisamos saber operar com a nova mídia, especialmente com as redes sociais cada vez mais abrangentes; e também, ao mesmo tempo, com os veículos tradicionais, com suas características específicas.

Aprendemos durante décadas a trabalhar com porta-vozes, que geralmente eram os principais responsáveis pela função de Relações Públicas. Pois essa figura clássica do porta-voz, a única pessoa que falava pela organização, não mais existe, ou melhor, deixou de ser única – e aí está mais um grande desafio para Relações Públicas nos nossos tempos. Precisamos nos acostumar – e trabalhar – com a ideia de que, além do porta-voz, que manifesta a palavra oficial de uma organização, todos os integrantes dessa entidade, seja empresarial, do serviço público ou do terceiro setor, passaram a também poder dar informações e opiniões (com autoria expressa ou no anonimato) sobre a organização em que atuam, na medida em que tenham acesso a um celular e à Internet.

Isso significa a necessidade de um trabalho intenso junto ao público interno, para que seus integrantes saibam se manifestar com propriedade e oportunidade sobre a organização. E eles só o farão se, em seu íntimo, estiverem identificados com os valores e a atuação da entidade, o que torna ainda mais complexo o desafio, nestes anos em que a impaciência dos jovens da geração Y se cruza com o fim da longevidade dos empregos. Essa valorização do público interno – que pode ser embaixador ou algoz de sua organização, dependendo da qualidade de seu relacionamento e identificação com a entidade a que pertence – se reflete até mesmo na evolução do nome do cargo dos gestores dessa área, que antigamente se chamavam gerentes de relações com empregados, passaram a gerentes de pessoal, depois de recursos humanos, ultimamente usam o cognome de gestores de pessoas.

Nessa esfera, a propósito, outro desafio com que nos defrontamos é a crescente despersonalização das organizações, devido a seu crescimento e complexidade cada vez maiores. Tempos atrás, elas tinham a proteção institucional de seus líderes de high profile: o “capitão de indústrias”, o grande banqueiro, o médico ou advogado famoso, o general por todos conhecido. As palavras desses atores tinham “peso”, credibilidade. Quando falavam por suas organizações, as pessoas prestavam atenção.

Atualmente, porém, essas figuras “maiores que a vida” não mais existem. Nas grandes empresas e entidades, a principal autoridade em geral não é mais o “dono”, mas sim um executivo contratado. Além disso, vigora uma rotatividade cada vez maior, inclusive internacional, nas posições executivas; e a dimensão e sofisticação das organizações não permitem que uma única pessoa possa falar com propriedade sobre todos os seus meandros.

Nas maiores empresas, aliás, esse processo de despersonalização alcança um nível ainda mais alto, em virtude de seu capital estar nas mãos de milhares de acionistas, em sua maioria ilustres anônimos, cujo único interesse é o rendimento trimestral de suas ações e para os quais o desempenho institucional da empresa de que são acionistas só passa a ter interesse em caso de crise de imagem e comunicação, porque isso deprecia o valor de suas ações e prejudica seus ganhos.

Para dar maior concretude a essa afirmação, tomemos um caso bem atual e que todos conhecem: a crise de imagem que assola a Petrobras devido às investigações da Justiça e da Polícia Federal. Os inúmeros acionistas nacionais e estrangeiros da empresa certamente nunca se preocuparam tanto como agora com a necessidade dela ter valores positivos e fortes, bem como de investir em comunicação institucional. Quando não há crise, acham que essas preocupações e esses investimentos “só dão despesa” e por isso diminuem o ganho financeiro dos acionistas, portanto devem ser reduzidos, quando não eliminados.

Coloquemos algumas cifras em mais esse desafio da comunicação institucional, causado pela concentração financeira e pela pulverização da propriedade das empresas, nas mãos de incontáveis e anônimos acionistas, para dar ideia concreta de seu imenso avanço. No livro “Media Training” registrei que “segundo a UNCTAD-Conferência da ONU para Comércio e Desenvolvimento, o número de fusões e aquisições entre grandes conglomerados internacionais, considerando apenas as operações superiores a US$3 bilhões, quadruplicou entre 1996 e 1998, passando de oito a 32 por ano e somando, neste último ano, US$600 bilhões.”

Pois aqui no Brasil, apenas em 2014, registraram-se nada menos de 879 fusões e aquisições, que movimentaram valor superior a US$108 bilhões. Esses negócios alcançaram naquele ano o maior número da História em nosso país – e prevê-se que esse nível deverá ser mantido em 2015. O que fatalmente terá como consequência uma dissolução ainda mais intensa da imagem institucional de empresas e marcas.

Relações Públicas, bem como outros serviços, como publicidade, advocacia, medicina, costumavam ter no passado um perfil de artesanato. Quando “o mundo era menor”, a sociedade e a economia menos complexas, destacavam-se individualmente os poucos profissionais excepcionais, que cuidavam pessoalmente de seus clientes ou empregadores, criando estratégias e soluções, liderando sua execução e garantindo seu sucesso. 

O crescimento e a maior complexidade de nossa sociedade e organizações tornaram obsoleto esse modelo – o que também gera um importante desafio de nossos dias. Os serviços de Relações Públicas atualmente precisam dispor de uma quantidade muito maior de pessoas (menos famosas), porque passamos do artesanato à produção industrial, o que significa muito maior investimento em recrutamento, seleção, treinamento e aprimoramento permanentes por educação continuada e manutenção de profissionais capacitados.

Em todos os países, democráticos ou não, as pressões da sociedade, que em poucos anos passou de uma atitude contemplativa para uma postura cada vez mais atuante e vocal, forçam as organizações a adotar crescentemente um perfil de sustentabilidade – e aqui encontramos um novo e intrincado desafio para os profissionais de Relações Públicas na atualidade.

Esse paradigma da sustentabilidade exige que a organização tenha uma atuação em conformidade com os padrões institucionais exigidos pela sociedade, em áreas como a ambiental; de relacionamento e diálogo aberto com seus funcionários ou servidores; de governança financeira, compliance e combate à corrupção; de interface com seus fornecedores; de respeito aos direitos humanos; de responsabilidade social e participação construtiva e ativa na melhora da qualidade de vida das comunidades em que atua etc.

Mais ainda: a sociedade demanda que as organizações sejam transparentes, forneçam informações exaustivas a seus stakeholders, as pessoas cuja vida depende dessas organizações ou delas recebem algum tipo de impacto. Essa transparência, que começa em informações financeiras que reflitam com precisão o estado da entidade, abrange todos os padrões institucionais exemplificados no parágrafo anterior e exige que a organização informe quais seus planos de ação em cada área e divulgue quais seus êxitos – e também quais seus fracassos – na implantação desses planos.

Por isso não têm mais serventia os antigos relatórios anuais, em que as organizações “mostravam o que é bom e ocultavam o que não deu certo”. Por causa dessa prática aquelas belas publicações em papel lustroso que se costumava fazer ganharam o pejorativo apodo de “folheto de RP”, por só conterem auto-elogios e por pintarem com cores positivas toda a realidade que se desejava divulgar de uma organização – sempre os fatos positivos.

A sustentabilidade – esse modelo cuja adoção se torna cada vez mais indispensável – requer ainda que a empresa ou entidade ouça seus stakeholders, indagando quais suas percepções e opiniões sobre a organização e a seguir divulgando publicamente os resultados obtidos. Os indicadores internacionais do GRI-Global Reporting Initiative e os brasileiros do Instituto Ethos aí estão para mostrar todos os critérios para avaliação da sustentabilidade de uma organização, seja ela privada ou estatal.

Mas os profissionais de RP, que compreensivelmente encaram com preocupação todos esses desafios propostos pelo paradigma da sustentabilidade, devem compenetrar-se de que eles constituem também, na verdade, praticamente um manual de Relações Públicas na melhor acepção da expressão, pois formalizam no mais alto nível o desempenho do papel social de uma organização, na medida em que fazem com que ela ponha efetivamente em prática – e divulgue – ações que se coadunam com as crescentes exigências da sociedade, especialmente nas democracias.

Finalmente, um último desafio que se coloca perante nossa profissão é a própria  qualidade dos praticantes que as escolas (e a Internet) colocam no mercado. Uma das maiores dificuldades com que se defronta quem precisa contratar jovens formados em Relações Públicas, é encontrar candidatos qualificados.

Hernâni Donato, um grande profissional de RP do passado, recentemente falecido, escreveu há muitos anos: “Pensa no homem de Relações Públicas desligado da representação, infenso ao brilho, autolimitado ao silêncio, versado na tática, na estratégia, na malícia, na balística verbal, no xadrez das informações e contra-informações, James Bond e Homem de Virgínia, Calligari e Michelangelo, getuliano, valadaresco, ederjofriano, Mequinho, Pelé e Gilmar. Que planifique, deflagre situações, levante tempestades, dissolva-as, pinte e borde, não ponha gelo no vinho tinto, sorria para a matrona que desembrulha um bombom ruidosamente durante a audição da Paixão Segundo São Mateus. Difícil, não é? Pois aí está.”

É esse perfil o procurado por quem precisa contratar um novo profissional. Claro que não se pode esperar que um jovem saído do curso de RP já seja tudo isso, que requer experiência, vivência, o aprendizado que vem dos acertos e dos erros. Mas é indispensável que mostre ao menos a promessa de vir a ser tudo isso. Que demonstre o potencial necessário para alcançar esse nível de sofisticação. Porque é o que o exercício profissional requer.

No entanto a maioria dos recém-formados está longe disso. Porque seu Português é pobre, quando não deficiente. Porque lhes falta leitura e prática da escrita – e também da fala em público. Porque em geral não sabem Inglês, o que é indispensável no mundo globalizado atual, em que é essa a língua franca. Porque não têm profundidade de cultura, qualidade de raciocínio lógico e a capacidade de procurar antever a terceira jogada seguinte e suas consequências, num jogo de xadrez (se é que sabem jogar xadrez; por isso têm grande dificuldade para planejar de forma eficaz). Porque não se interessam pela política ou a desprezam. Porque preferem mandar mensagens de e-mail do que falar pessoalmente ou telefonar.


E por aí vai. Claro que a maior responsabilidade por essas carências não é tanto da faculdade – ainda que lhe caiba uma boa parcela – mas sim do sistema educativo como um todo e dos níveis escolares anteriores, que, quanto mais se aproxima o vestibular, mais se concentram em inundar as cabeças dos estudantes com catadupas de informação, em detrimento de sua formação. Seja como for, lamentavelmente essa é a realidade dos nossos profissionais iniciantes e esse, a meu ver, é o maior de todos os vários desafios com que se defronta a profissão de Relações Públicas no Brasil.

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