domingo, 1 de dezembro de 2019
Empresa, Comunidade e Opinião Pública: Ágoracracia
Empresa, Comunidade e Opinião Pública: Ágoracracia: Está difícil ler jornal – impresso ou eletrônico. (E olhe que passei a vida a lê-los, fazê-los, anunciar neles, curtir o cheiro deles). ...
Ágoracracia
Está difícil ler jornal – impresso ou eletrônico. (E olhe que
passei a vida a lê-los, fazê-los, anunciar neles, curtir o cheiro deles).
Difícil não só pelo conteúdo cada vez mais deprimente – brontossauros que
lembram o AI-5, que querem isentar da justiça militares e policiais, picaretas
que tentam embair ignorantes sob mantos religiosos e pseudo-ideológicos,
terraplanistas, oportunistas de todo tipo etc. – mas também por análises que me
parecem ignorar a verdadeira mola propulsora da inquietude latino-americana
atual.
Muitos atribuem as atuais manifestações de protesto em vários
países a causas racionais – ausência de representatividade política, custo de
vida, salários baixos etc. – como se os imbecís que batem panelas em
apartamentos não soubessem que tudo isso é verdade desde sempre.
Na verdade, o único fator que mudou na equação foi a
comunicação. Ao contrário do passado, quando tinham de se encontrar
pessoalmente em cantos clandestinos, ou enviar mensagens cifradas por
portadores confiáveis, hoje as pessoas se articulam instantânea, pública e
universalmente pelas redes – da mesma forma como as torcidas uniformizadas combinam brigas pela cidade – e saem
pelas ruas sem líderes nem mensagens, meio ao léu.
E assim acabamos em brexit, populismos fascistoides, eleições
de tipos que mal sabem se expressar, juristas que dão mais entrevistas que
sentenças, influenciadores e famosos (segundo eles próprios) que querem virar
líderes políticos, hipócritas que dizem não acreditar que o clima está mudando –
toda essa gente glorificada por inocentes úteis ansiosos por um segundo de fama
no facebook ou coisa parecida. Desde, é claro, que postem lá algum palavrório ultrajante.
Por isso está cada vez mais difícil ler jornais. Eles mostram
a marcha da democracia para a ágoracracia virtual. E já se conhece o trágico atoleiro
onde dá esse tipo de coisa.
sábado, 20 de julho de 2019
adjetivos substantivos
cafajeste boçal energúmeno nepotista autoritário fascistoide nefelibata
ignorante racista homofóbico machista mentiroso jegue maledicente obscurantista
picareta oportunista egoísta preconceituoso retrógrado envergonhante atrasado
primata brega rastaquera arrogante mau-caráter indigno vil infame pequeno abjeto
mal-intencionado reles torpe tosco tacanho baixo raso cínico medíocre ordinário
desrespeitoso vulgar malcriado bronco grosseiro rude brutamontes estúpido anacrônico
reacionário antidemocrático mandão pretensioso inculto réprobo iletrado radical
despreparado insolente prepotente petulante mal-educado nefasto cafona jeca
ridículo trágico inepto estulto incivil abrutalhado descortês caluniador xucro
arbitrário opressivo deprimente falso
inexperiente incapaz estabanado filhotista bisonho pobre-de-espírito desprezível
ganancioso impolido rústico aproveitador
hipócrita repulsivo antiquado
antediluviano miliciano abominável execrável ignóbil odioso repugnante
banal obsceno sem-noção safado ofensivo asneirento fariseu egocêntrico
dinástico enganador charlatão sub-reptício pérfido predador provinciano
caricato grotesco risível insidioso autocrático incapaz fundamentalista censurável reprovável
faccioso insolente intragável atroz esquisito esdrúxulo ultrapassado
detestável inconveniente santarrão irritante perverso torturador bárbaro
truculento iletrado indecoroso mesquinho vingativo intratável desqualificado
quarta-feira, 3 de julho de 2019
A Revolta dos Logotipos (2)
Em Agosto de 2015, época da plena
explosão dos escândalos revelados pela Operação Lava-a-Jato, publiquei neste
blog um texto intitulado “A Revolta dos Logotipos – É hora de Relações Públicas
ir além da rotina” (http://nemercionogueira.blogspot.com/2015/08/),
no qual pregava que era “necessário um choque institucional na relação entre empresas
e governo e entre empresas e opinião pública, para recuperar e melhorar a
imagem e reputação das empresas. O que essa situação atual aponta, me parece, é
para a necessidade de uma evolução mais radical no posicionamento institucional
das empresas”.
“Elas precisam ampliar muito sua
credibilidade, via valores elevados e a comunicação estratégica e intensa
desses valores. E também, elemento fundamental, devem implantar internamente
sistemas e métodos que impeçam atos de corrupção – grandes e pequenos.
“Porque parece que a população
acha que Chega de Esperteza.
“Por isso, o ente empresarial em
seu conjunto precisa, acredito, deixar de se arrastar como um caramujo a
reboque da crise e tomar a iniciativa forte de mostrar um cerne, uma essência,
que sejam positivos, institucionalmente saudáveis.
“Não só anonimamente, por trás das
siglas de suas associações, mas como empresas individuais – e também por seus
setores e entidades associativas.
“Esse processo deve começar por um
exercício interno de formulação e formalização de valores morais: integridade,
anti-corrupção, governança, respeito aos direitos humanos no ambiente de
trabalho, promoção social da comunidade, relacionamento transparente com stakeholders, envolvendo todos os
acionistas, dirigentes, funcionários, terceiros e fornecedores. E divulgar
amplamente a realização desse trabalho”.
Demorou quatro anos, mas o
Instituto Ethos, o Centro de Estudos em Ética, Transparência, Integridade e Compliance (FGV-Ethics)
e a International Finance Corporation, braço do Banco Mundial, finalmente acabam
de lançar uma iniciativa nesse sentido, pelo caminho da autorregulação do setor
de infraestrutura no Brasil.
Diálogo amplo com os stakeholders, transparência, ética,
integridade e combate à corrupção são os componentes de destaque do cardápio, cujo
prato principal, acreditam os organizadores, será a autorregulamentação do
setor de infraestrutura. Tudo isso é visto como essencial para o
desenvolvimento sustentável dessas empresas a longo prazo, bem como para ampliar
sua competitividade.
As
organizações que criaram a iniciativa estão promovendo encontros e debates com,
entre outros, empresas de engenharia, construtoras, operadores de
infraestrutura, bancos e financiadores, seguradoras, associações de classe e agências
multilaterais.
No
link abaixo encontram-se o Termo de Adesão e a Carta de Principios da nova
entidade, batizada como Instituto de Integridade e Autorregulação do Setor de
Infraestrutura.
Aos
mais céticos, esses textos – como meu artigo de quatro anos atrás – podem parecer
utópicos, apenas uma bem-intencionada “wish
list”. Eu, porém, um irrecuperável otimista, creio que o caminho desenhado
será cumprido. Não porque, subitamente, todos os que integrarão esse instituto tenham-se
tornado anjos idealistas e sem mácula, mas porque, falando claro, não há outro
jeito, se quiserem reconstruir seu perfil institucional, sua sustentabilidade
empresarial, sua competitividade – e, portanto, a perenidade das empresas.
terça-feira, 5 de fevereiro de 2019
Lama escatológica de esculachocracia e cretinelite
A aterradora imagem daquela montanha de lama, detritos e
cadáveres avançando sobre pessoas, veículos e casas em Brumadinho, tudo
arrastando, destruindo e esmagando, ilustrou perfeitamente a horrenda maré de
cretinice, ignorância e obscurantismo que nos soterra dia-a-dia.
Ministra que se diz doutora bíblica põe em dúvida a teoria da
evolução das espécies de Darwin; outra personagem quer que as campanhas de
prevenção da AIDS sejam patrulhadas para que não ofendam as famílias; gigolôs
da internet, com seus robôs, criam o caos do Brexit no Reino Unido e elegem
tipos como Trump e quejandos em diversos países; há quem queira cercear a
palavra de professores em salas de aulas; cantora glorificada em capa da
principal revista de negócios do Brasil alardeia ao mundo que seus flatos são
inodoros desde que se tornou vegetariana; colocar armas nas mãos das pessoas se
transforma em solução para a segurança pública; as asneiras do Big Brother são
a segunda rubrica do site UOL, antes de Esporte e de Notícias; um sujeito chulo,
encafuado no exterior, que se diz filósofo, já foi astrólogo e vende cursinhos
sem pé nem cabeça, inspira falatórios delirantes de nefelibatas que subitamente
viram governantes; inventam-se expressões novas que vir(aliz)am moda: boataria se
torna fake-news e mentira se trasveste de verdade alternativa, pós-verdade e outras
besteiras.
E nós, as vítimas desse lamaçal peçonhento de imbecilidades,
nos debatemos na tentativa de entender como, diabo, iremos – se é que iremos –
sobreviver.
Antes da internet, essas estultices e seus seguidores vegetavam no limbo do anonimato que merecem, porque ninguém com mínimo
bom-senso lhes daria ouvidos. Agora, porém, as redes sociais lhes proporcionam
a ferramenta de que precisavam para emergir rastejando do lodo de suas tocas e
difundir asneiras (quando não atentados contra a sanidade).
A nova elite deixou de ser composta de intelectuais, donos de patrimônio e políticos
respeitáveis e passou a ser constituída por uma nova
categoria: famosos e famosas – a qualquer custo – deixaram de ser adjetivos e
passaram a ser substantivos, até mesmo profissões.
A política, a grande arte da gestão compartilhada da coisa
pública, vê-se dominada por mediocridades que mal conseguem se expressar –
ainda que tivessem o que dizer. Para nós, o único consolo, nesse aspecto, é que
quase nenhum país pode criticar o Brasil; basta lembrar o que fazem Donald
Trump nos EUA e Theresa May no Reino Unido, para calar qualquer americano ou
britânico – e outros primeiromundistas que se cuidem.
Mas e a saída? Onde está a saída? Antes que me tachem de
reacionário ou elitista, repito aqui minha profissão de fé democrática, que
sempre foi e é a crença que me orienta. O problema é que as democracias
clássicas – Grécia, Roma, mesmo a Inglaterra de Churchill e os Estados Unidos
de Lincoln – não davam alto-falantes à totalidade da população. As chamadas classes
dirigentes, ainda que procurassem beneficiar o povo, ou pelo menos a maioria,
não davam ouvidos a todos. Não havia meios de comunicação para que a população inteira
vocalizasse suas opiniões. Hoje há.
Por isso a malta de frustrados, os revoltados anti-isso-ou-aquilo,
os que se julgam vítimas da globalização, os pisoteados pelas desigualdades, os
simplesmente odiosos e os que buscam ser famosos a qualquer preço conseguem,
por meio das redes sociais, expor suas vociferações. E os cafetões da internet,
que se aproveitam desse caldo (de cultura, ou incultura), mineram e exploram a ignorância,
credulidade e ingenuidade desses segmentos sedentos de apoio e suporte
material, oferecendo salvacionismo religioso ou político a varejo.
Como jornalista e profissional de comunicação, lamento
especialmente o empobrecimento da imprensa. Perfeita, claro, ela nunca foi. Mas
sua diversidade, ainda que também eivada de desequilíbrios, permitiu, através
de seguidas décadas e em contínua busca de profissionalismo, que a opinião
pública – a resultante dos embates de visões, interesses e convicções – acabasse por predominar, graças à liberdade
de expressão de todos os agentes.
A triste decadência da imprensa e sua substituição por uma
comunicação populista, rasteira e grosseira subverte e prostitui a democracia, ao criar
uma gigantesca ágora global, onde os que acham que a Terra é plana e os que
acreditam que todos descendemos realmente de Adão e Eva têm tanta voz – ou mais
– quanto os cientistas, os verdadeiros filósofos, os que julgam ter
contribuições substantivas para a melhora da vida das pessoas.
Então, voltando à busca da saída desse pântano venenoso e
avassalador, só recorrendo ao político americano Al Smith, que, em 1933,
afirmou que “Todos os males da democracia se curam com mais democracia”, no que
tem sido ecoado pela OAB, CNBB e outras entidades e pessoas, ao redor do mundo
e ao longo dos anos.
Para nossa desgraça, porém, os processos democráticos
raramente têm efeito imediato ou são eficientes. (Em geral essa celeridade é
apanágio das ditaduras e dos governos fortes, de esquerda ou de direita.) A
democracia evolui sobre rodas quadradas, aos solavancos, recua, se move para os
lados, geralmente em marcha lenta – mas chega lá em razoável harmonia.
Portanto a resposta é que, até onde ainda se consegue enxergar,
não nos livraremos com rapidez desse miasma que nos asfixia. Mas não podemos
desistir e sim continuar a preservar e promover os mais elevados valores,
combater as mentiras, contrafações, mistificações e picaretagens em geral sempre
que aparecerem e nos blindarmos contra a irrefreável lama escatológica.
Para que, apesar de hoje mergulhados e chafurdando no barro
pegajoso, saiamos dele melhores. Como os nobres bombeiros-heróis em Brumadinho.
quinta-feira, 3 de janeiro de 2019
Reputação empresarial: dez mandamentos
(Artigo escrito a convite da ABERJE - Associação Brasileira de Comunicação Empresarial e publicado originalmente no livro comemorativo do 50o. aniversario da entidade, celebrado em 2018)
“Podemos nos permitir perder
dinheiro – até muito dinheiro.
Mas não podemos nos permitir
perder a reputação
– nem mesmo um pouquinho.”
Warren Buffett, presidente da
Berkshire Hathaway, reverenciado
como o gestor de investimentos mais
competente do mundo
“Eu não tinha ideia das ambições
políticas [de Trump], mas não
gostava de seu comportamento como
homem de negócios.
Uma vez ele me convidou para ser o
locatário-âncora de um de seus prédios. Ele disse: ‘Diga quanto
você quer dar. Eu quero você como âncora, e você pode dizer quanto
quer pagar’. Eu respondi: ‘Eu não tenho dinheiro bastante’. Não tem
nada a ver com os clientes. É a minha reputação.”
George Soros, investidor
milionário e apoiador de causas
progressistas e de direitos
humanos, no The Washington Post
“Uma reputação de mil anos pode ser
prejudicada
pela conduta de apenas uma hora.”
Provérbio japonês
“Reputação, reputação, reputação!
Oh, perdi minha reputação,
perdi a parte imortal de mim mesmo
– e o que resta é bestial!”
Otelo, de William Shakespeare
A Samarco passou décadas trabalhando diariamente para
construir, polir e divulgar sua boa reputação, que acabou instantaneamente
enlameada pelo desastre causado pela empresa em Mariana. Anos atrás, uma
fabricante de berços nos Estados Unidos viu-se quase destruída quando um bebê
morreu estrangulado pelo cordão da chupeta, que ficou preso num elemento
decorativo de um berço de sua marca. (Imagine-se o drama de berços que matam
bebês – a indignação e a repulsa sociais.) Ações imediatas, inclusive no
processo de design e produção – sem falar em comunicação – não só salvaram a
empresa de uma catástrofe, como resultaram em aumento de vendas.
Quando, aqui no Brasil da Lava Jato, assistimos
pasmos ao desmoronamento da reputação de enormes e importantes empresas,
passou a ser indispensável para as companhias construir ou reforçar os pilares
da reputação empresarial – governança, compliance,
transparência, diálogo com ONGs e demais stakeholders,
sustentabilidade socioambientaleconômica, issues
management, bom e fluente relacionamento
com a mídia tradicional e pelas redes sociais.
No entanto, essas são apenas as ferramentas
construtivas da reputação. O cerne da questão está, digamos, na concepção
arquitetônica do projeto, na essência vital da cultura das pessoas que
constituem a empresa. Ou então tudo não passará de um exercício de cumprimento
de tabela, uma narrativa “da boca p’ra fora”, que cedo ou tarde sucumbirá ao
teste da credibilidade.
Em um texto sobre a amizade, o senador e filósofo
romano Marco Túlio Cícero (106–43 a.C.) escreveu: “Poucos são aqueles que
desejam ser virtuosos em vez de parecerem sê-lo”. O original em latim cunhou a expressão
“esse quam videri” (“ser, não apenas parecer”),
que se tornou lema de dezenas de escolas e outras organizações, principalmente
nos países de língua inglesa, e pode ter inspirado o dito sobre a mulher de
César, que precisa não apenas ser honesta, mas também dar a impressão de sê-lo (“À mulher de César não basta ser honesta, é preciso
parecer honesta”).
Esse raciocínio se aplica perfeitamente à empresa que
deseja ter boa reputação e cujos gestores e funcionários sabem que: 1) quem faz
ou desfaz a reputação empresarial não é a empresa, que afinal é apenas um CNPJ –
e sim as pessoas que a compõem; e 2) a reputação não se estabelece apenas porque
a organização ou suas pessoas querem – e antes pela opinião dos outros, dos
grupos com os quais a empresa se relaciona e que a julgam com base em suas
ações, não apenas em suas palavras bem torneadas, suas fotos bonitas, seus vídeos impressionantes.
Um Decálogo
Se pudéssemos escolher dez itens principais para a
construção e manutenção de uma boa reputação empresarial, esta lista, ainda
que longe de pretender exaurir o tema, provavelmente conteria as seguintes
recomendações maiores:
1. Comece
do alto
Evidentemente, no processo de construção da boa
reputação de uma empresa e de suas marcas, tudo começa no topo da companhia. É
indispensável, portanto, que a decisão política seja tomada, incentivada,
imposta e praticada pelos membros do Conselho de Administração, pelo CEO, por todos
os diretores. Não há alternativa, pois um paradigma de tal dimensão não pode
ser instituído de baixo para cima.
2. A
boa prática é diária
Fazer a coisa certa todos os dias, o dia todo, é um
mantra que precisa ser exercitado e lembrado à totalidade dos funcionários e stakeholders em todas as oportunidades e
com frequência. Não com truques publicitários ou promocionais, tipo um “Dia de
Fazer a Coisa Certa”, mas de forma a imprimir a necessidade de permanência e
continuidade.
3. Treinar
para não errar
Mantenha um treinamento periódico mandatório de compliance para todos os funcionários,
presencial e/ou por meio de vídeos curtos, que coloquem simulações de casos
reais, mostrando atitudes erradas e deletérias à reputação da empresa
(subornos, dar “presentinhos” a funcionários públicos, informação privilegiada,
receber presentes de alto valor de fornecedores, combinação de preços entre
concorrentes etc.), testando o conhecimento e as atitudes dos funcionários,
apresentando as condutas corretas e explicando por que estas são certas e as
outras, condenáveis.
4. Tenha
uma cartilha
As normas de comportamento e atitudes destinadas a
assegurar à empresa um perfil de integridade devem ser reunidas em uma
detalhada política escrita, a ser amplamente divulgada por todos os meios
possíveis – impressos e eletrônicos – não só entre os funcionários e seus
familiares, mas também para todos os stakeholders
externos, a fim de comprometer publicamente a empresa e seus colaboradores e
demonstrar que estão submetidos expressamente ao permanente escrutínio da
sociedade.
5. Cuidado
com os pequenos deslizes
Uma garrafa de uísque importado no Natal, de presente
para aquele rapaz legal, funcionário da Prefeitura que fiscaliza o sistema de
conservação ambiental da companhia nas proximidades da fábrica? Mas por que não?
Sempre fiz assim... Contratar a professora funcionária de uma escola pública
para ser monitora de visitas à exposição que a empresa montou? Mas tudo bem...
No papel é a irmã dela quem vai receber o pagamento... Cuidado com condutas
como essas, enganadoramente desimportantes, que podem gerar verdadeiros
desastres reputacionais para a empresa e
suas marcas.
6. Gerencie
os problemas
Issues management é uma disciplina que busca
identificar, mitigar e, quando possível, eliminar problemas. Sejam eles de
caráter interno (gestão, design,
manufatura, recursos humanos etc.) ou externos (pressões da sociedade, de áreas
governamentais, da mídia, de ONGs, e por aí afora).
Quando ocorrem de forma
localizada, podem ser resolvidos pela própria área diretamente afetada. Mas por
vezes as questões abrangem mais de um setor – e exigem enfoque pluridisciplinar –
ou constituem tendências sociais, comunitárias ou econômicas externas à empresa
que podem requerer estudos mais complexos, monitoramento contínuo, providências
de diferentes departamentos ou unidades etc.
Estes últimos são aqueles em que o
processo disciplinado de issues
management mostra seu real valor, tanto na
identificação de questões que surgem na sociedade e que têm potencial para afetar a
vida da empresa como para o acompanhamento da evolução dessas questões e na
preparação e execução de medidas defensivas.
A detecção do surgimento desses issues e a previsão de seu
comportamento futuro, para propiciar seu eficaz enfrentamento, são os
principais méritos dessa técnica. Novas regulações governamentais e iniciativas
de legislação, situações de eventual vulnerabilidade da empresa, a
intensificação e a facilidade de acesso da comunicação pela internet e por
redes sociais, questões socioambientais e comunitárias – todos esses são
exemplos de possíveis dificuldades para a empresa e suas marcas, com reflexos em
sua reputação e seu desempenho, típicos de issues
management. O mais abrangente e conhecido
deles nestes vários anos seguramente são as mudanças climáticas, que afetam e
afetarão cada vez mais a vida não só das pessoas, mas também das empresas.
Uma excelente ilustração para o valor de issues management na detecção de novas tendências
que surgem na sociedade e podem crescer e vir a constituir vulnerabilidades
para a reputação de uma empresa está na canção Une Idée (“Uma Ideia”), de Charles
Aznavour:
Uma ideia
No começo não tem voz
Mas gradualmente ganha peso
Amadurece, faz seguidores,
A gente a aceita.
E por menos sentido que faça
Ela vai indo, sem se preocupar
Com os detratores
Que têm muito medo
De uma ideia
7. Tenha
um comitê de gestão de crise
Outro item fundamental neste decálogo são os comitês
de gestão de crise, que devem existir não só no escritório central ou matriz da
empresa, mas também em todas as suas unidades. Esses organismos, integrados com
os grupos de issues management, têm a missão de enfrentar e
solucionar situações emergenciais que possam prejudicar o desempenho e a
reputação de uma companhia, recomendando a implementação de providências destinadas
a prevenir, encarar, administrar as crises e procurar resolvê-las.
8. Saiba
quem são as partes envolvidas
Conhecer os stakeholders
e suas preocupações é mais um item fundamental para evitar potenciais prejuízos
à reputação da empresa. Uma ONG pode, como já aconteceu, exigir que ela revele
a procedência dos produtos utilizados no restaurante da fábrica, por exemplo. A
carne vem de área ilegalmente desmatada? Não possui todas as certificações exigidas
pelas autoridades sanitárias e ambientais? Quando a empresa conhece o perfil,
as atividades e os gestores das principais ONGs e dos fornecedores, certamente pode evitar questionamentos agressivos, ou
no mínimo manter-se preparada para dar respostas imediatas e satisfatórias.
9. Crie
um canal para denúncias
Um sistema de comunicação que permita denúncias
protegidas pelo anonimato, de parte de qualquer pessoa do público, é outra
medida preventiva das mais importantes para blindar a reputação da empresa.
Esse sistema, que em geral pode utilizar uma linha telefônica 0800, idealmente deve
ser gerido não por funcionários, mas por organização externa, a fim de
assegurar a confidencialidade dos autores. Pedidos de propina, casos de assédio
e bullying, irregularidades em concorrências entre fornecedores, todas essas
são amostras de situações em que uma denúncia pode prevenir ou reparar
circunstâncias que, caso ignoradas, podem agravar-se e eventualmente explodir
em detrimento da reputação da companhia.
10. Mantenha
o diálogo
Finalmente, um sistema de comunicação interna que
proporcione o diálogo aberto e permanente, por e-mail, de todos os funcionários
com todos os executivos, a partir do CEO – com obrigação dos executivos de
responder rapidamente – é mais um recurso que pode ser inestimável para o bom
perfil reputacional da empresa, além de permitir o esclarecimento de dúvidas e receber sugestões,
auxiliando dessa forma a aperfeiçoar o desempenho e a reforçar a boa qualidade
do clima no ambiente de trabalho.
Para ilustrar, o presidente de uma companhia que atua
no Norte do Brasil recebeu denúncias de funcionários sobre a condição de
clandestinidade de uma carvoaria que pretendia tornar-se fornecedora e também sobre
a existência de trabalhadores em situação similar à escravidão em outra firma,
e ainda uma terceira delação, sobre exploração de trabalho infantil. Essas
notificações, feitas por e-mail, permitiram que a empresa rapidamente
investigasse as três situações e tomasse as providências necessárias para se
resguardar contra cenários que poderiam causar sério detrimento à sua reputação
e à de suas marcas, sem falar em livrar-se de potenciais medidas jurídicas que
viessem a vitimá-la.
Como se depreende ao percorrer esse rol de dez
recomendações, não se trata, como dizem
os americanos, de rocket science. É acima de tudo produto de
mero bom senso. Obviamente, porém, a adoção desses caminhos, além do empenho
pessoal dos principais executivos e gestores da empresa, requer investimento. E
investimento não só depois que algum desastre tenha acontecido, mas quando está
tudo correndo bem, tudo normal.
Por isso, nesta época em que o dever de elevar ao
máximo os dividendos trimestrais dos acionistas dificulta qualquer gasto que
não seja flagrantemente essencial, a implantação de um sistema de proteção
reputacional como esse demanda empresas e empresários que, acima e além de
narrativa, tenham comprometimento com um propósito indispensável para
companhias que visam à perenidade:
Esse quam videri.
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