Está difícil ler jornal – impresso ou eletrônico. (E olhe que
passei a vida a lê-los, fazê-los, anunciar neles, curtir o cheiro deles).
Difícil não só pelo conteúdo cada vez mais deprimente – brontossauros que
lembram o AI-5, que querem isentar da justiça militares e policiais, picaretas
que tentam embair ignorantes sob mantos religiosos e pseudo-ideológicos,
terraplanistas, oportunistas de todo tipo etc. – mas também por análises que me
parecem ignorar a verdadeira mola propulsora da inquietude latino-americana
atual.
Muitos atribuem as atuais manifestações de protesto em vários
países a causas racionais – ausência de representatividade política, custo de
vida, salários baixos etc. – como se os imbecís que batem panelas em
apartamentos não soubessem que tudo isso é verdade desde sempre.
Na verdade, o único fator que mudou na equação foi a
comunicação. Ao contrário do passado, quando tinham de se encontrar
pessoalmente em cantos clandestinos, ou enviar mensagens cifradas por
portadores confiáveis, hoje as pessoas se articulam instantânea, pública e
universalmente pelas redes – da mesma forma como as torcidas uniformizadas combinam brigas pela cidade – e saem
pelas ruas sem líderes nem mensagens, meio ao léu.
E assim acabamos em brexit, populismos fascistoides, eleições
de tipos que mal sabem se expressar, juristas que dão mais entrevistas que
sentenças, influenciadores e famosos (segundo eles próprios) que querem virar
líderes políticos, hipócritas que dizem não acreditar que o clima está mudando –
toda essa gente glorificada por inocentes úteis ansiosos por um segundo de fama
no facebook ou coisa parecida. Desde, é claro, que postem lá algum palavrório ultrajante.
Por isso está cada vez mais difícil ler jornais. Eles mostram
a marcha da democracia para a ágoracracia virtual. E já se conhece o trágico atoleiro
onde dá esse tipo de coisa.
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