terça-feira, 12 de novembro de 2013

Philip Kotler e eu

Estou me sentindo muito gratificado hoje. Um novo livro de Philip Kotler, o guru do Marketing, intitulado Marketing 3.0, vem confirmar um caminho para a Comunicação Empresarial que eu previ em meu livro Media Training, publicado nada menos de 14 anos atrás, em 1999, quando a Internet que hoje conhecemos dava seus passos iniciais como meio global de comunicação.

Nesse meu livro, o último capítulo, com o título Você Já Sabe Tudo? Esqueça, alinha uma série de constatações e previsões sobre as mudanças radicais que, a meu ver, ocorreriam nos anos seguintes no Marketing e em Relações Públicas, em virtude da convergência dos meios, da ampliação da democracia e do desenvolvimento do capitalismo.

Nesse capítulo eu dizia: “Se esta futurologia estiver correta e tudo isso – e mais ainda – vier a acontecer mesmo, como parece que vai, estaremos paradoxalmente chegando a um mundo em que o ‘papel social’, que durante anos foi cobrado às empresas, passará a ser a principal ferramenta de comunicação das marcas, que serão realmente os supremos ícones institucionais e comerciais do novo tempo.

“Ou seja, apesar de a inserção social positiva da atividade empresarial não ser preocupação dos milhões de aplicadores anônimos, que só se interessarão pelos dividendos de seus fundos de investimento e não ligarão a mínima para a chamada boa cidadania empresarial, a associação das marcas a causas de interesse de seus públicos-alvo (que sempre serão de cunho social, de serviço, cultural, esportivo, artístico, ecológico, de lazer, comunitário etc.) será provavelmente o melhor meio de diferenciar favoravelmente cada marca aos olhos de seus públicos.”

Isso eu escrevi, como disse, há 14 anos.

Pois agora vem Philip Kotler afirmar, do alto de sua clarividência e reputação global, que essa minha previsão é o Marketing 3.0, o da atualidade e do futuro. Em seu livro, escrito com Hermawan Kartajaya e Iwan Setiawan, publicado em 2010 e agora disponível em português, ele declara:

“Agora observamos o surgimento do Marketing 3.0, ou a era movida por valores. Em vez de tratar as pessoas simplesmente como consumidores, os profissionais da área os encaram como seres humanos inteiros, com mentes, corações e espíritos. Cada vez mais os consumidores buscam soluções para suas ansiedades no sentido de que o mundo globalizado se transforme num lugar melhor. Num mundo cheio de confusão, eles procuram empresas que satisfaçam suas necessidades mais profundas por justiça social, econômica e ambiental, em suas missões, visões e valores. Eles buscam não só a realização funcional e emocional, mas também realização espiritual humana, nos produtos e serviços que escolhem.

“Da mesma forma que o Marketing 2.0, o Marketing 3.0 também visa a satisfazer o consumidor. No entanto as empresas que praticam o Marketing 3.0 têm missões, visões e valores mais amplos, para dar contribuições ao mundo; elas buscam proporcionar soluções para resolver problemas na sociedade. O Marketing 3.0 eleva o conceito de marketing à arena das aspirações, valores e espírito humanos. O Marketing 3.0 acredita que os consumidores são seres humanos completos cujas outras necessidades e esperanças nunca devem ser desprezadas. Portanto o Marketing 3.0 complementa o marketing emocional com marketing para o espírito humano.


“Nesta época de crise econômica global o Marketing 3.0 adquire maior relevância para as vidas dos consumidores, na medida em que eles sofrem maior impacto das rápidas mudanças e turbulências sociais, econômicas e ambientais. Doenças se tornam pandemias, a pobreza aumenta e a destruição ambiental está ocorrendo. As empresas que praticam o Marketing 3.0 oferecem respostas e esperança às pessoas que se defrontam com essas questões e, portanto, tocam os consumidores num patamar mais elevado. No Marketing 3.0 as empresas se diferenciam por seus valores. Em tempos de turbulência, essa diferenciação é provavelmente poderosa.”

domingo, 6 de outubro de 2013

RP e Sustentabilidade, na Empresa e na Força Armada

A convite do Centro de Estudos de Pessoal e Forte Duque de Caxias do Exército Brasileiro, apresentei há poucos dias, na Semana de Comunicação Social/2013, que teve o tema geral "Estratégias de Relações Públicas diante dos Desafios da Contemporaneidade", a palestra que transcrevo a seguir.

Relações Públicas, Sustentabilidade e
o Papel Social das Organizações


Para esta reflexão escolhi o tema “Relações Públicas, Sustentabilidade e o Papel Social das Organizações”.

Fiz essa escolha porque, no contexto do tema geral desta Semana de Comunicação Social/2013 (Estratégias de Relações Públicas Diante dos Desafios da Contemporaneidade), acredito que adotar o valor Sustentabilidade e praticá-lo é um caminho sem volta e um grande desafio para todos nós.

E isso me parece ser verdade tanto para as empresas como para as organizações públicas, governos, partidos políticos, famílias e até para as pessoas individuais.

E também para as Forças Armadas, notadamente o Exército, porque seus integrantes atuam em terra, em convívio próximo com as pessoas, as comunidades e o meio ambiente.

Mas o que significa realmente essa palavra “Sustentabilidade”, que recentemente se tornou tão frequente nas várias línguas da humanidade?

Por que isso aconteceu? E por que esse termo passou a ser tão importante para todas as organizações e pessoas no século 21?

Originalmente a definição de Sustentabilidade é “assegurar, pela maneira como nos comportamos hoje, melhor qualidade ambiental, econômica e social para as próximas gerações”. 

Essa definição vem da Comissão Brundtland da Organização das Nações Unidas, sob a presidência da ex-primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, que entre 1983 e 1987 se concentrou no estudo do meio ambiente e sua relação com o progresso.

Por essa definição, Sustentabilidade significa, na prática, conquistar, ao mesmo tempo (não um antes e os outros mais tarde), o crescimento econômico, a igualdade social e a proteção ambiental, assegurando, dessa forma, a perenidade da organização e da sociedade.

Para as empresas e organizações, a resultante desse conceito é que, ao adotar o valor da Sustentabilidade, a sociedade passa a avaliar a qualidade das organizações e a julgá-las não só por seu resultado operacional, como tradicionalmente se fazia (no caso das empresas, o lucro; no caso da força armada, a vitória e o sucesso de suas campanhas e manobras), mas também pela maneira como a empresa, a organização ou a força armada conseguiu esse lucro ou essa vitória.

Ou seja, pela forma eficiente como utilizou os recursos financeiros, materiais e humanos; e pela qualidade de seu relacionamento com a sociedade e com o meio ambiente.

E por que a Sustentabilidade se tornou um valor tão importante, aos olhos da sociedade?

Na minha maneira de ver, isso aconteceu porque gradualmente, ao longo das últimas décadas, a sociedade conquistou uma capacidade maior do que jamais teve, de fiscalizar o comportamento das empresas, dos governos, dos parlamentares, dos agentes, instituições e organizações públicas (como as forças armadas), dos partidos políticos – de todos nós, enfim.

Essa nova capacidade de fiscalização da sociedade também motivou o aumento das demandas, das exigências da sociedade sobre o comportamento de todas as organizações.

Esse processo de aumento da fiscalização e a ampliação das demandas da sociedade ocorreu sob o impulso de alguns vetores principais, que têm impacto tanto sobre as empresas como sobre as organizações públicas, inclusive o Exército e são comentados nos parágrafos que se seguem.

O primeiro desses vetores é a democracia: vivemos um grau de liberdade de expressão do pensamento sem precedentes no Brasil, tanto em amplitude como em duração cronológica. Por isso, aliás, sempre digo que Relações Públicas é a profissão da democracia, porque é a única que só em ambiente democrático pode ser praticada em plenitude.

Outro vetor é o paroxismo da Comunicação e das Telecomunicações: tudo hoje é instantâneo, global, intensíssimo, interativo, com muito mais agentes e atores. E os mais jovens, os “nativos da era digital” são um tipo novo de gente, bem diferente dos mais antigos. Esse processo é tão revolucionário que os estudiosos têm grande dificuldade em mapeá-lo e diagnosticá-lo.

Graças a essa abundância de Comunicação e Telecomunicações, a informação passou para as mãos do povo. E é interessante observar que tanto os manifestantes que agitam politicamente o Oriente Médio em luta pela democracia, quanto os torcedores de times de futebol no Brasil que combinam suas brigas, utilizam a mesma ferramenta das redes sociais para combinar seus encontros.

E os sites de petições e abaixo-assinados conseguem dezenas, centenas de milhares de assinaturas em poucos dias.

Para as organizações privadas e públicas, um resultado de tudo isso é que a clássica figura do porta-voz único torna-se obsoleta. Porque, com o acesso às redes sociais, todos os membros dessas organizações podem agora comunicar publicamente informações e opiniões sobre ela.

A propósito, recentemente apareceu na internet um filme feito na Fundação Casa de São Paulo (sucessora da antiga FEBEM), mostrando menores detidos que cantavam musicas elogiosas à organização criminosa PCC, o que provocou a instauração de inquérito para descobrir quem teria autorizado tal filmagem. Ora, é óbvio que ninguém a autorizou; foi feita por alguém, empunhando um celular, que se tornou assim um incômodo “porta-voz não-autorizado” da Fundação Casa.

Outro episódio desse tipo foi o de um funcionário da embaixada americana em Moscou, Ryan Fogle, acusado de espionagem pelo governo russo devido às informações pessoais que publicou no Facebook sobre sua vida pessoal e social (onde almoçou, suas viagens etc.), o que faz pensar que esse rapaz tem grande vocação para o desastrado Agente 86 do velho seriado de televisão...

Há inúmeras comprovações concretas de graves consequências desse novo ambiente de explosão comunicativa que vivemos, como a divulgação de informações secretas do governo americano; o caso da cyber-espionagem pela NSA-National Security Agency na correspondência eletrônica pessoal de membros de governos e cidadãos comuns; e a intercomunicação dos integrantes das passeatas e manifestações, aqui no Brasil, que começaram em Junho e continuam acontecendo até hoje, num ensaio de democracia direta que passa ao largo dos representantes formais da população.

Recente artigo publicado em uma revista internacional sugeriu que as redes sociais criam um ambiente global de café do século 19, onde os frequentadores trocavam notícias e comentários pessoalmente, como hoje no Twitter. (Aliás, vale conjecturar se, quando toda a humanidade estiver conectada a essas redes, cujo conteúdo agora parece interessar a tanta gente, elas não passarão a ser como as calçadas das ruas, em que ninguém quer saber o que os demais transeuntes estão pensando...)

Para quem precisa fazer chegar suas mensagens institucionais ou comerciais ao público, como os profissionais de Relações Públicas e os publicitários, um desafio sem precedentes é a convergência dos meios que a internet gera, criando concorrência permanente entre todos os veículos de comunicação social do planeta, concentrados agora em uma mesma tela de computador e disputando a atenção das pessoas.

Em tal ambiente, cada cidadão digital procura o veículo que prefere em determinado momento, com uma possibilidade de escolha imensamente maior do que jamais teve a seu dispor – e isso sem contar os e-mails, as pesquisas no Google, os jogos eletrônicos. Por isso os profissionais da Comunicação precisam evoluir do tradicional conceito de “atingir o público-alvo” para a busca de pessoas individuais, porque cada uma delas nos procura se quiser, não o contrario.

Como faremos então com que nossas mensagens cheguem às pessoas que visamos? Minha impressão é de que caminharemos para uma situação em que essas pessoas só visitarão nossos veículos se se sentirem atraídas pelos valores de nossas organizações, sejam elas privadas ou públicas.

No caso das empresas, uma das consequências desse cruzamento de democracia e liberdade de expressão com uma possibilidade de comunicação sem limites é a evolução do conceito de seu “papel social”. Nos manuais de Relações Públicas escritos na primeira metade do século 20, esse “papel social” significava pagar impostos, gerar empregos, dialogar com a sociedade e atuar em filantropia.

Na década de 1990 surgiu o conceito de responsabilidade social empresarial, que, além de tudo isso, requer postura e comportamento ético, além de atuação direta na sociedade para melhorar a qualidade de vida das pessoas. E no início deste século 21 surgiu o conceito de sustentabilidade empresarial, sob a pressão das crescentes exigências e necessidades da sociedade.

Paralelamente, no caso da força armada (notadamente do Exército, que atua em terra, perto das pessoas e das sociedades), está ocorrendo a evolução do conceito tradicional do soldado apenas guerreiro para o do soldado também agente social, como veremos mais adiante.

No universo político, os vetores a que me referi estão causando também o “esfarelamento” dos partidos, que não conseguem estabelecer comunicação eficaz com os cidadãos, paralelamente ao crescimento da importância institucional das ONGs.                          

A total ubiquidade da Comunicação e das Telecomunicações faz cogitar também de um possível futuro em que a democracia representativa seja substituída por uma democracia mais direta. Na Islândia, por exemplo, a nova Constituição foi elaborada com base em contribuições de todos os cidadãos, pela internet.

E aqui no Brasil, se já utilizamos a internet para preencher e enviar os formulários do Imposto de Renda, por que não passaremos, no futuro, a participar diretamente do processo legislativo, mediante plebiscitos frequentes sobre os mais variados assuntos?

Um quadro assim, que hoje parece ficção científica, a meu ver talvez não esteja tão distante. E, com o derretimento das ideologias e o crescimento do pragmatismo, provavelmente elegeremos para os cargos públicos cada vez mais gestores, síndicos, em lugar de “salvadores da pátria”, heróis.

Esses vetores (liberdade de expressão, avanço das telecomunicações e o novo papel social das organizações), com seus corolários de aumento da fiscalização e das demandas da sociedade, elevam a um patamar sem precedentes a importância da função de Relações Públicas dentro das empresas e das organizações.

Mas em contrapartida elevam imensamente a responsabilidade dos profissionais de RP. Hoje não é suficiente conhecer as ferramentas desse ofício. O profissional precisa ser a “cara política” da empresa ou entidade pública em que atua, para conceituar e pilotar a inserção positiva da organização (e de sua marca) na sociedade.

(Por favor observem que eu uso essa expressão “cara política” não no sentido de política partidária, ou de interferência nos processos governamentais ou parlamentares – e sim nos termos da definição do dicionário “Aurélio”, de “habilidade no trato das relações humanas, com vista à obtenção dos resultados desejados” .)

Pensemos sobre alguns aspectos que realçam a atual importância da função de Relações Públicas e a responsabilidade ampliada de seus profissionais:

Quando se fala em empresas, a democracia, combinada com as grandes carências sociais de um país gigante como o Brasil (que daqui a dez anos será o dobro do que é hoje em termos de seu peso específico no mundo) está a exigir que as empresas, na sua interface com a sociedade, não se limitem a “relacionar-se” e “dialogar” com ela, como ensinavam os antigos manuais de RP, mas passem mesmo a “interferir” na sociedade, com medidas destinadas a promover seu desenvolvimento sustentável.



O famoso “papel social da empresa”, que antigamente consistia basicamente em pagar impostos e gerar empregos, hoje abrange a implementação de medidas e investimentos concretos, para melhorar a qualidade de vida das pessoas nas regiões em que se constrói uma fábrica, uma usina hidrelétrica, ou qualquer grande projeto.

Por exemplo, os contratos de financiamento do BNDES já possuem cláusulas que requerem que as empresas por ele financiadas empenhem recursos econômicos, tecnológicos e humanos em projetos de desenvolvimento regional sustentável que vão além da mitigação dos impactos causados por suas instalações.

Ao mesmo tempo, a fiscalização da sociedade sobre o comportamento ético das empresas e de todas as organizações se intensificou radicalmente, aumentando fortemente a necessidade de transparência.

E “imprensa” hoje não é apenas o jornal que vai sair amanhã aqui na cidade onde eu moro, mas os inúmeros blogs e redes sociais globais, que põem no ar instantaneamente denúncias fundadas e infundadas, opiniões responsáveis e irresponsáveis, petições e abaixo-assinados – e também brincadeiras e piadas – que circulam mundialmente com a velocidade da luz.

Cada vez mais pessoas têm acesso à informação – e muitas vezes fora do alcance da “grande mídia” (portanto dos grupos que tradicionalmente sempre formaram a opinião pública). No Brasil dezenas de milhões de pessoas saíram da pobreza e outras tantas chegaram à classe média, com maior acesso à internet.

Num ambiente assim, todos os profissionais, especialmente mas não só os de Relações Públicas, precisam ser, cada vez mais, a “cara política da empresa ou organização”, no sentido de ser ele ou ela quem deve liderar, para dentro e para fora da empresa ou organização, a qualidade da inserção dessa  entidade na sociedade.

Para isso esse profissional não pode ser apenas um escrivinhador de press releases, nem somente amiguinho de meia dúzia de jornalistas ou de deputados.

Mais que “estrategista dos relacionamentos”, o responsável pelo trabalho de Relações Públicas precisa ser um pouco sociólogo e antropólogo, ter informação e sensibilidade políticas e culturais, comportamento ético a toda prova, conhecimento jurídico e financeiro – tudo isso além de ser bom comunicador.

Os atuais profissionais de Relações Públicas precisam também saber dialogar de maneira inteligente e produtiva com os outros setores da empresa ou da organização pública em que trabalham – jurídico, de recursos humanos, industrial, financeiro (e, no Exército, com os oficiais, subtenentes, sargentos, funcionários civis e demais integrantes do publico interno)  – para serem vistos como elementos construtivos e valiosos pelo conjunto da organização – e não como “jornalistas domesticados”, ou como “artistas frustrados”, animais estranhos ao ambiente organizacional. Caso contrário, não conseguirão “vender” internamente seus pontos de vista e suas recomendações.

Por sua vez, o executivo financeiro, de engenharia, de recursos humanos, do departamento jurídico das empresas, da mesma forma que o oficial, o sargento, o subtenente da força armada, também precisa conhecer os mecanismos, as ferramentas e as “cascas de banana” da comunicação, pois ela alcança hoje níveis de importância que obrigam a esse conhecimento.                                    

E porque a boa comunicação cria valor, gera diferencial e influencia positivamente as relações. E isso é bom e importante para a empresa e para o Exército e para cada profissional individualmente.

Finalmente, tanto no ambiente empresarial como no Exército, os responsáveis por Relações Públicas e Comunicação precisam estar bem familiarizados e sintonizados com os vários aspectos da Sustentabilidade.

Na empresa, por ser a Sustentabilidade a melhor bandeira institucional que ela pode adotar, porque legitima socialmente o lucro, que passa a ser considerado também como alavanca para o progresso social e para a excelência ambiental – e não como um benefício apenas para os acionistas da empresa.

E no Exército porque a bandeira da Sustentabilidade legitima socialmente suas operações, ao demonstrar que elas estão realmente a serviço dos cidadãos – e não apenas de seus comandantes, do governo ou do interesse geopolítico do País.

A propósito, para ilustrar esse aspecto, talvez se possa pensar no trabalho dos soldados brasileiros nas UPPs do Rio de Janeiro e na força de paz no Haiti, por exemplo.

E sobre a imbricação entre Relações Públicas e Sustentabilidade, vale a pena considerar alguns aspectos, com base em observações de James Grunig, professor emérito do Departamento de Comunicação da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos. Segundo ele:

·       A familiarização do profissional de RP com a sustentabilidade como valor das organizações é fundamental para assegurar a sustentabilidade da própria função de Relações Públicas;

·       Sustentabilidade não pode ser exclusividade da área de RP: é dever de todos, em todas as áreas e o tempo todo. Mas deve ser liderada (ou co-liderada) pela área de Relações Públicas;

·       Porque sustentabilidade é a evolução do conceito de responsabilidade social, que é, desde sempre, o coração da profissão de Relações Públicas;

·       Sustentabilidade é também a melhor bandeira política para todas as organizações, porque legitima socialmente o lucro da empresa privada, as operações militares e a intervenção dessas organizações na natureza.

O que mudou, para os executivos de empresas, com a adoção do conceito de sustentabilidade na estratégia empresarial? Vejamos a seguir uma lista de nove dessas mudanças, publicada pela revista IdeiaSocial. (E aqui fica um desafio para que os senhores, ao refletir sobre esta nossa conversa de hoje, preparem uma lista semelhante para os militares).

1.  Desenvolvimento de uma visão de mundo mais abrangente e inclusiva
2.  Maior conformidade entre as crenças pessoais e as das empresas
3.  Melhoria no ambiente de trabalho, com base na instalação de uma cultura de respeito, sensibilidade e justiça
4.  Maior satisfação profissional por trabalhar numa empresa com causa, compromisso e interesse sociais
5.  Aperfeiçoamento da capacidade de “olhar para fora da empresa”
6.  Aumento da sensibilidade para interagir com comunidades
7.  Aprofundamento da visão de negócios e de seu impacto
8.  Compreensão maior sobre a importância do trabalho em rede e das alianças intersetoriais
9.  Aumento da consciência sobre seu papel no alinhamento de valores, práticas e estratégias

E me parece que a mais evidente demonstração de que esse caminho da Sustentabilidade é irretratável e sem alternativas, tanto para empresas como para outras organizações, inclusive as militares, está na matéria de capa da edição da revista The Economist (talvez a mais importante do mundo) de 25 de Outubro de 2007. Essa matéria, sob o titulo “Cérebros, não balas”, traz à luz e analisa a necessidade do Exército norte-americano se dedicar mais à construção que à destruição, em territórios ocupados como o Iraque e o Afeganistão.

O texto se baseia em um manual sobre contra-insurgência, escrito, entre outros, pelo general David Petraeus – que comandou as tropas americanas na guerra no Iraque – onde se afirma que “contra-insurgência é trabalho social armado”, que requer mais cérebro que músculos, mais paciência que violência.

Nessa nova visão da ocupação militar, o soldado exemplar não deve ser um guerreiro destruidor, um exterminador de ficção científica, mas um intelectual preparado para “um nível universitário de guerra”, preferivelmente um lingüista, com conhecimento de História e Antropologia, capaz de colaborar para construir as nações ocupadas.

Em outras palavras, no que diz respeito às nações ocupadas pelo poder militar, o verbo construir passa a ser mais importante que o verbo destruir. E até uma expressão típica da nossa literatura sobre Sustentabilidade é utilizada pelo Pentágono nessa nova postura: É necessário, dizem os militares americanos, “capacitar os parceiros”.

Os raciocínios que embasaram esse manual se tornam ainda mais atuais para nós quando o general brasileiro Carlos Alberto dos Santos Cruz, que liderou o contingente da ONU no Haiti, assumiu recentemente o comando da Missão das Nações Unidas de Estabilização na República Democrática do Congo, que não é apenas de ocupação pacífica, mas inclui a necessidade de atacar e perseguir guerrilheiros, como informou o correspondente do Serviço Brasileiro da BBC, que foi enviado especial ao Congo para cobrir o início do trabalho do general Santos Cruz.

Vale a pena ler aqui alguns parágrafos do manual do general Petraeus, publicado pelo Exército dos Estados Unidos em Dezembro de 2006, “aprovado para conhecimento público e para distribuição ilimitada”, que, para quem quiser conhecê-lo melhor, está no endereço http://www.fas.org/irp/doddir/army/fm3-24.pdf .

“Uma campanha assim – diz o manual – exige que os soldados empreguem uma conjugação de atividades de combate (com as quais estão familiarizados) e de competências mais características de organizações não-militares.

Os pesos relativos desses dois tipos de atividades variam dependendo da situação encontrada em cada local.

Isso não é fácil. Os lideres, em todos os níveis, precisam ajustar constantemente sua estratégia, para assegurar que seus executores estejam sempre prontos, a cada dia,

·       para ser recebidos com um aperto de mão, ou com uma granada de mão;
·       para assumir missões que só nos últimos anos passaram a ser mais frequentes em nossos centros de treinamento de combate;
·       para ser construtores de nações, além de também guerreiros;
·       para ajudar a re-estabelecer instituições e forças locais de segurança;
·       para auxiliar na reconstrução da infraestrutura e dos serviços básicos;
·       e para promover o estabelecimento de governança local e do império da lei.

O rol dessas tarefas é longo e demanda ampla coordenação e cooperação com uma miríade de órgãos intergovernamentais, locais e internacionais. Na verdade as responsabilidades dos lideres em uma campanha de contra-insurgência são assustadoras.

Portanto a tarefa de conduzir uma campanha bem-sucedida de contra-insurgência requer uma tropa flexível, adaptável, liderada por comandantes ágeis, bem-informados e culturalmente astutos.”


Ora, como mostram esses parágrafos que acabamos de ler, se a noção de que a Sustentabilidade, o trabalho com parceiros, a atuação comunitária, a construção da cidadania e das nações, em regiões ocupadas militarmente – se essa noção passa a ser adotada até mesmo nos mais altos escalões da maior força armada que o mundo já viu, organizada para invadir e destruir, parece claro que tanto os empresários e executivos empresariais – notadamente os que atuam em Assuntos Institucionais e Relações Públicas – como os lideres militares que abraçarem a Sustentabilidade como valor essencial estarão no caminho certo.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Big Brother chegou?

Esse escândalo do esquema de monitoramento de dados de telefone e internet, pela NSA-Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos, que ocupa atualmente amplo espaço na imprensa mundial, produziu, segundo a Folha de S.Paulo de hoje, um aumento de 6.888%, em 24 horas, das vendas, pela Amazon, do livro 1984, de George Orwell, que apresentou ao mundo o Big Brother, o super-sistema de espionagem dos cidadãos, pelo governo, que o autor inglês criou em ficção para criticar a realidade dos governos ditatoriais.

Fast-back. Conheci há tempos o francês que presidia a Fundação Fredrik Rosing Bull, cujo nome homenageia um talentoso engenheiro norueguês que nasceu em 1882 e foi pioneiro no desenvolvimento tecnológico da Europa. Essa fundação foi criada pela Bull, empresa também batizada em homenagem a esse engenheiro, líder francesa do desenvolvimento da tecnologia digital, que atualmente, como Groupe Bull, atua em uma centena de países, inclusive o Brasil.

Na minha conversa com o presidente dessa Fundação – que estuda as conseqüências econômicas, sociais e humanas do emprego generalizado da informática – surpreendi-me quando ele disse que sua entidade era contrária à identificação das pessoas, pelo Estado, com um número único para cada indivíduo (RG, CPF, carteira de motorista, título de eleitor etc., todos com o mesmo número), coisa que, na minha santa ignorância, parecia lógica, eficiente, racional e facilitadora da vida das pessoas.

Essa conversa e a minha ignara perplexidade aconteceram há quarenta anos.

Dando um fast-forward para os dias de hoje, li recentemente um livro assustador (infelizmente ainda não publicado em português) que me recordou esse episódio. Chama-se Dying Light(**), do jornalista inglês Henry Porter, que vem-se dedicando à luta pelos direitos humanos, liberdades civis e de expressão na Grã Bretanha. Publicada em 2009, a obra veio à luz, por coincidência, exatamente 60 anos depois da primeira edição de 1984, do também inglês George Orwell, ficção que previa a instalação de uma ditadura mundial em que cada cidadão era espionado e todos os detalhes de sua vida absolutamente controlados pelo governo (o Big Brother), por meio de um sistema de câmeras e comunicação eletrônica.

Na base do raciocínio do autor de Dying Light está a constatação de que, se por um lado esses sistemas proporcionam os benefícios de melhores serviços públicos, maior segurança e capacidade de prevenção de atividades criminosas, ao mesmo tempo apresentam o grande risco de colocar nas mãos de quem exerce o governo o potencial para asfixiar a opinião pública e destruir a base da democracia, que é o poder exercido pelo povo e para o povo – não por e para quem exerce os poderes do Estado.

A partir do contexto real de prevenção e combate ao terrorismo que se implantou nos mandatos de George W. Bush nos EUA e Tony Blair na Grã Bretanha – e agora de Barack Obama – o livro de Henry Porter pinta uma situação imaginária em que o primeiro-ministro inglês prepara simplesmente a instalação de uma ditadura, graças a sistemas de comunicação e informação que lhe propiciam o controle absoluto e total da vida e de todos os atos (inclusive atitudes políticas) dos cidadãos.

O mais grave é que, apesar de ser obra de ficção, como 1984, o livro cita legislação real em vigor hoje na Inglaterra – e, pior ainda, assinala que essas leis restritivas à liberdade individual foram tranquilamente aprovadas e implantadas, com pouca discussão, debate ou reação da complacente e acomodada opinião pública, interessada apenas na sua rotina da vida diária e – como eu, quarenta anos atrás – sem levar em conta o risco político embutido nessas leis.

Segundo Porter, num comentário publicado como posfácio ao livro, “os britânicos passaram a ser os cidadãos mais estritamente controlados do Ocidente, talvez de todo o mundo. Temos mais câmeras nas ruas que a soma de aparelhos instalados em todo o resto da Europa. Essas câmeras infestam não só as ruas e os shopping centers, mas também restaurantes, cinemas e bares por toda parte, que fotografam a cabeça e os ombros de cada individuo que neles entra.”

E prossegue: “As pessoas são vigiadas o tempo todo. Ao viajar pelas rodovias todos são monitorados por câmeras que leem as placas dos carros e os dados de cada viagem são armazenados por cinco anos.” E por aí vai.

Tudo abençoado por legislação vigente no país. O governo britânico, segundo Porter, tem o direito de acessar os dados telefônicos e online de todas as pessoas, acompanhar e registrar a vida de seus filhos num banco de dados nacional e exigir mais de 50 informações de cada cidadão que deseja sair de seu próprio país. Transações individuais, dados sobre a saúde de cada um, tudo armazenado para sempre em bancos de dados.

Um diploma legal que merece especial atenção em Dying Light é o Civil Contingencies Act 2004 (Lei de Contingências Civis, de 2004), que, segundo Porter, “permite que o primeiro-ministro, um ministro ou o líder do governo na Câmara desmantele da noite para o dia a democracia e o império da lei”. Citando outros autores, ele comenta que essa lei permite ao governo a suspensão de viagens, ocupação de propriedades, evacuação forçada, tribunais especiais e detenção e prisão arbitrárias.

Seria importante que alguma editora publicasse esse livro em português no Brasil. Deveriam lê-lo todos os que, no governo e fora dele, se preocupam com a manutenção das nossas liberdades individuais, da liberdade de expressão e de imprensa, no contexto maior dos direitos humanos, em face do inapelável avanço dos recursos eletrônicos, que, por sua própria natureza, tendem a se tornar cada vez mais invasivos e controladores. Da mesma forma que as burocracias.

E também deveriam ler esse inquietante livro os que defendem a unificação do número de identificação dos cidadãos; os que se opõem ou resistem à Lei de Acesso à Informação Pública; os que escancaram abundantes informações e fotos de sua vida e de seus amigos nos Facebooks da vida; os que criam e utilizam sistemas de “mineração de dados” que permitem às empresas prever o comportamento, preferências e tendências de consumo dos cidadãos; os que possibilitam que a moça da central de telemarketing que nunca me viu na vida me ligue à noite, em casa, me chamando pelo nome, para vender algum produto.

É cada vez mais fácil usar todos esses mesmos recursos que aumentam nossa eficiência e produtividade – e o muito mais que vem por aí na tecnologia digital – também para nos invadir, nos controlar, nos manobrar e nos dominar.


(**) Originalmente lançado pela editora britânica Orion Books, o livro foi publicado também em edição norte-americana pela Atlantic Monthly Press, com o título The Bell Ringers. Ambas as edições podem ser adquiridas na Amazon, em forma impressa ou eletrônica.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

É a democracia, estúpidos!

Em 29 de Outubro de 2011 a Folha de S.Paulo publicou os alarmantes resultados de uma pesquisa da chilena Latinobarometro sobre a qual escrevi, à época, um artigo para a revista Entrelagos, de Brasilia. Volto a esse texto hoje, no ano em que a nossa jovem democracia comemora 25 anos da promulgação da Constituição de 1988.

A pesquisa mostrava que, no ano anterior, o apoio da população brasileira à democracia diminuíra de 54% para 45%. Caíra mais que a média de apoio na América Latina. 

Ou seja, menos de metade da nossa população prefere a democracia a qualquer outra forma de governo. A maioria acha que um governo autoritário pode ser preferível a um democrático, ou que dá na mesma  viver em democracia ou sob autoritarismo.

Vivo hoje, à vista desse fato, Nelson Rodrigues diria que, além da unanimidade ser burra, a maioria dos brasileiros é estúpida. Parece incrível que, numa nação que por 21 anos foi vítima da opressão de uma ditadura, mais de metade da população pense que um governo totalitário pode ser melhor que a democracia, ou que tanto faz.

Os estúpidos que dispensaram a democracia nessa pesquisa do Latinobarometro não sabem que, sem democracia:
  •        A imprensa amordaçada não poderia denunciar corrupção nos governos, nem opinar livremente sobre todos os assuntos;

  •        Um presidente da República rejeitado pela população não teria sido castigado pelo impeachment;

  •        Um presidente que terminou oito anos de mandato com apoio de 86% da população, também segundo o Latinobarometro, sequer poderia ter sido eleito;

  •        O fim do sigilo eterno de documentos do governo e a criação das Comissões da Verdade que hoje atuam nem projetos teriam sido;

  •        O Brasil  não viveria o atual desenvolvimento social e econômico, nem gozaria do respeito que hoje lhe dedicam os outros países;

  •        Nenhuma crítica ao governo – por jornalistas, por sindicalistas, por estudantes, por políticos, ou por quem quer que fosse - seria permitida;

  •        A corrupção, a incompetência e o desmando de governantes, parlamentares e funcionários públicos estariam permanentemente acobertados pela intransparência do poder totalitário;

  •        Estaríamos todos continuamente sob a ameaça arbitrária de prisão, tortura e morte;

  •        Teríamos de tomar cuidado com o que disséssemos perto de colegas de escola e de trabalho, vizinhos, conhecidos, até parentes, pois qualquer um poderia nos delatar, em troca de alguma vantagem junto aos donos do poder;

  •         Ainda existiria um DOPS, com o inacreditável nome de Departamento de Ordem Política e Social, onde se prendiam pessoas pelo crime de pensamento e opinião;

  •        Não poderíamos votar porque os mandantes nos seriam impostos, nem a opinião pública poderia se manifestar.

Com a provável exceção dos estúpidos 55% da população brasileira que acham que democracia não é indispensável, todos conhecem a frase de Sir Winston Churchill: ”A democracia é a pior forma de governo, exceto todas as outras que têm sido tentadas de tempos em tempos." E a de Ulysses Guimarães, que disse que "A grande força da democracia é confessar-se falível de imperfeição e impureza, o que não acontece com os sistemas totalitários, que se autopromovem em perfeitos e oniscientes para que sejam irresponsáveis e onipotentes."

Só na democracia é possível criticar até mesmo a própria democracia – e, de Saramago e Bernard Shaw até ao Marquês de Maricá,  há comentários derrogatórios a ela em suficiente quantidade.  Mas eu fico com Goethe: "A democracia não corre, mas chega segura ao objetivo."

domingo, 13 de janeiro de 2013

Crisis Management: Só o Treinamento Mostra o Despreparo das Empresas


O público nunca ficou sabendo, mas alguns anos atrás uma importante indústria de produtos alimentícios aqui no Brasil foi vítima de um chantagista que enviou a seu diretor de marketing um dos mais populares produtos da empresa, com a embalagem aparentemente inviolada, mas com seu conteúdo envenenado. Seguiu-se o telefonema, de origem não-localizável, em que um homem exigia da empresa vários milhões de reais, caso contrário colocaria idênticos artigos envenenados em diversos supermercados.

Começou aí um período de 30 dias frenéticos para o comitê de administração de crise instalado pela empresa. Criou-se um verdadeiro War Room, um salão dotado de telefones com viva-voz, gravadores, computadores, impressoras etc. A polícia foi acionada. Contratou-se um serviço internacional de segurança. Advogados prepararam o trabalho jurídico. O setor de comunicação redigiu comunicados e séries de perguntas e respostas, exprimindo as posições da empresa, para o caso de vazamento interno ou externo.

O comitê determinou que o negociador seria o diretor de marketing, que recebera a primeira ameaça. Durante quatro semanas ele teve longas conversas telefônicas diárias com o chantagista, reduzindo o valor exigido, ganhando tempo e procurando convencê-lo a não colocar o veneno nas gôndolas.

Ao final, o criminoso não recebeu o dinheiro e acabou preso. Na empresa, só quem precisava saber teve conhecimento do episódio. O fato não chegou à imprensa, nem aos consumidores. E, acima de tudo, ninguém morreu. Mas, durante aqueles 30 dias, os membros do comitê dormiam e acordavam diariamente aterrorizados com a possibilidade de algum consumidor ser envenenado por seu produto.

Por mais sofisticada que seja uma empresa e por mais aptos que seus executivos julguem estar para administrar crises como essa, é surpreendentemente frequente que uma simples sessão de treinamento prático, de um dia de duração, mostre o quão despreparada a empresa realmente está, para enfrentar com êxito esse difícil tipo de situação.

Num workshop como esse que conduzi para uma grande companhia, essa preocupante realidade ficou patente mais uma vez, levando seu presidente a afirmar, ao final, que infelizmente o principal e mais valioso resultado do trabalho fora a demonstração prática e realística de que, apesar de todas as políticas, normas e procedimentos internacionais de que a empresa dispõe para a administração de situações críticas, seus executivos na verdade se encontravam totalmente despreparados para gerir uma crise verdadeira.

 Uma crise institucional se define como uma situação aguda, frequentemente inesperada ou imprevista, que possa danificar seriamente a reputação da empresa. Que prejudique um produto, uma divisão, a situação financeira da companhia, a saúde da comunidade, de empregados ou consumidores. Ou que possa manchar a imagem da empresa, retirando-lhe  a confiança da opinião publica.

Exemplos de crises institucionais que ficaram famosas ao longo dos anos: o caso de Tylenol envenenado, nos Estados Unidos; as  Balas Van Melle, no Brasil, acusadas de conter drogas; a contaminação da  Coca Cola, na  Europa; o envenenamento de um produto Nestlé, no Brasil, por um chantagista (não se trata do caso mencionado na abertura deste artigo, o qual jamais se tornou público); o derrame de petróleo do navio Exxon Valdez, no Alaska; a poluição da Guanabara pela Petrobras e, em mar alto, pela Chevron; os gases letais exalados pela Union Carbide e que vitimaram a população de Bhopal, na Índia; a alegação de contaminação de botulismo contra o palmito Gini; a queda do avião da TAM em Congonhas; e a farinha detectada nos comprimidos de  Microvlar, no Brasil.

Essas situações podem ter uma variedade de origens, entre as quais: ação criminosa; desastre industrial ou natural; falha de equipamento ou humana; questão jurídica ou de legislação; problema de RH, trabalhista ou ocupacional; episódio ambiental ou de saúde; disputa política; violação ou sabotagem de produtos; desastre aéreo; violência no local de trabalho; ameaça ou efetiva ocupação de instalações; sequestro; incidente eletrônico (hackers, vírus criminosos) e outras.

E a metodologia globalmente aceita para uma empresa encarar e ultrapassar uma crise institucional baseia-se em algumas recomendações básicas, como as seguintes:

1.      A empresa deve dispor de uma norma escrita de administração de crises: um documento
      formal, preferivelmente preparado com a participação dos vários setores da empresa, para
      assegurar o amplo envolvimento de todos;

2.      Essa norma deve conter as regras do processo de administração de crises, indicando também a constituição de comitês de crise no nível corporativo e em cada uma das instalações locais (nomes das pessoas, seus telefones profissionais, residenciais e celulares, endereços residenciais e demais indicações para sua rápida localização a qualquer momento);

 3.      Também é importante que todos esses gestores estejam sempre preparados (técnica,
       organizacional e emocionalmente) para administrar crises, o que requer treinamento prático
       periódico – da mesma forma como se faz costumeiramente nas empresas para que todos saibam
       escapar de um incêndio sem tumulto; 

4.      Avaliação dos resultados dos treinamentos e do desempenho dos participantes e, se necessário, atualização da norma – o que, em si, também constitui um reforço para a internalização da norma pelos executivos; 

5.      Envolvimento de todas as áreas nos treinamentos, porque uma crise pode abranger varias delas simultaneamente. 

Essas regras podem ser continuamente aprimoradas e sofisticadas. Há mesmo livros de autores estrangeiros que trazem, anexo, um disco com caminho crítico e fluxograma do processo de administração de crises institucionais.

Porém todos esses conceitos e sistemas, pacificamente aceitos, muitas vezes naufragam porque as ações de administração de crise são necessariamente planejadas e executadas não por computadores ou robôs e sim por pessoas. Com todas as emoções, preocupações, temores, ímpetos e tensões que as caracterizam. São executivos empresariais cujo forte é a produção, as finanças, o marketing, ou o direito – não necessariamente a administração de crises, sob intensa pressão psicológica e física – e que, além de gerir a estratégia e executar as ações emergenciais que essa gestão demanda, precisam, ao mesmo tempo, continuar a tocar seu trabalho rotineiro. Muito poucos estão preparados ou sequer têm perfil para isso.

Ao encarar uma crise “real” de uma semana de duração, em um workshop de um dia – única maneira de viabilizar um treinamento como esse, pois não se consegue mais que um dia na agenda de altos executivos – é possível demonstrar, na prática, o grau de preparo ou despreparo do presidente, diretores e gerentes de uma empresa. Esse é o primeiro passo – e o mais importante, porque constitui experiência prática, não a superficial leitura de um manual ou a passiva audiência a uma palestra – para que os executivos de uma empresa possam avaliar por experiência própria, não só pela razão, mas também pela emoção, sua efetiva capacitação, podendo então começar a construir uma estrutura organizacional psicológica e profissionalmente equipada para adminstrar com êxito as crises institucionais.

 Nos treinamentos práticos desse tipo que já conduzi as principais vulnerabilidades que pude observar são as que vão a seguir enumeradas.

1.        Perplexidade com a imprensa. Mesmo companhias organizacionalmente equipadas para o relacionamento rotineiro com os jornalistas se vêem muitas vezes atarantadas em face do telefonema de um repórter que surpreende a empresa com uma colocação questionadora ou a inesperada revelação de um fato ameaçador;

2.        Cabeça quente. Ceder à emoção e ao envolvimento pessoal é outro aspecto que frequentemente se registra entre os executivos que se defrontam com uma crise institucional. Administrar com o fígado é o pior caminho, prejudica o julgamento na tomada de decisões e dificulta a estruturação organizacional do comitê de crise, emperrando a execução das ações necessárias;

3.        Esquecer a Norma. Também se percebe que pontos importantes das políticas e procedimentos de Crisis Management são frequentemente esquecidos pelos executivos, no calor da refrega. As consequências podem ser as mais diversas, mas todas acabam sendo prejudiciais à empresa. A causa desse problema provavelmente é o fato de que os executivos lêem as normas de forma passiva, não crítica, não refletindo sobre seu conteúdo, portanto não as sentem, não as internalizam, como deveriam, para poder vivenciá-las;

4.      Desorganização. Outro ponto que muitas vezes se observa nesses workshops é que, acuados pela crise que eclodiu e tendo cedido à emoção (vizinha próxima do pânico), os executivos por vezes esquecem até mesmo de, logo no primeiro momento, organizar-se, atribuir funções e, em geral, determinar quem faz o que. A impressão de quem observa de fora é de um bando atabalhoado, não um comitê de crise.

5.      Falhas de cobertura. Não dar a devida atenção aos diversos stakeholders, públicos importantes para a empresa, também é uma falha que ocorre com frequência nesses treinamentos. Isso acontece principalmente porque os executivos acabam tão preocupados com os jornalistas, que esquecem os demais públicos. Por isso eu costumo dizer que, nas empresas, uma situação só passa a ser chamada de “crise” quando sai ou pode vir a sair no jornal. Caso contrário é apenas um “problema”.

6.      Insensibilidade política. Acostumados à vida empresarial, os executivos muitas vezes não têm a necessária sensibilidade política exigida para administrar uma crise institucional. Não estão habituados a cultivar essa arte, que, no fundo, é a principal ferramenta e característica de uma crise institucional.  Os políticos lêem nas entrelinhas, têm jogo de cintura, são atentos aos detalhes, não perdem de vista sua meta e sabem jogar xadrez. Antes de mover uma peça, avaliam rapidamente todas as consequências e as futuras jogadas possíveis – suas e do adversário.

7.      Comunicação falha. Por mais experientes que sejam em seu trabalho no dia-a-dia, muitas vezes os executivos – mesmo os profissionais de comunicação – acabam por sucumbir à pressão e à emoção e passam a violar regras básicas de Media Training, reagindo a um rumor sem investigar se ele tem base de realidade, respondendo a situações hipotéticas ou especulativas colocadas por jornalistas, usando excesso de palavras para responder a perguntas simples, perdendo a paciência com a imprensa etc.

8.      Presumir culpa. Em face da alegação de que a empresa teve algum comportamento irregular, é bastante frequente que os executivos responsáveis pela administração da crise presumam que essa afirmação é correta, sem dar a devida prioridade à investigação da realidade. Ou seja, sua primeira inclinação é presumir que a empresa está errada. Um executivo que não conhece em profundidade e amplitude a empresa em que trabalha desconhece suas vulnerabilidades e aspectos positivos. Por isso, na hora de enfrentar uma alegação ou situação crítica, por vezes é incapaz de reagir com a necessária rapidez para evitar ou extinguir uma crise.

9.      Falta de registro. Uma das regras básicas do funcionamento de um comitê de crise é o relato escrito (um diário) de todas as ações realizadas, para permitir posterior avaliação e aprimoramento do processo. Essa é mais uma falha que se observa com frequência nos treinamentos práticos. Espicaçados pelas dificuldades, os membros do comitê muitas vezes esquecem de indicar um “relator” para essa importante função.

10.    Ficar a reboque da crise. Envolvidos pela emoção, insuficiente informados, atabalhoados pela desorganização, os integrantes do comitê de crise lembram por vezes o ambiente de uma campanha eleitoral de centro acadêmico – e o resultado é que, por isso, não conseguem passar à frente do processo, como deveriam. Em vez disso, vêem-se arrastados pela crise.

Há quem diga que, depois dos 40 anos, ninguém é capaz de mudar sua personalidade e seu comportamento. Em outras palavras, como dizem os americanos, não se conseguem ensinar novos truques a um cachorro velho. Por isso treinamentos desse tipo de nada adiantariam.

No entanto os workshops para treinamento prático em Crisis Management podem efetivamente ajudar a preparar melhor os executivos empresariais a administrar de forma eficaz as crises institucionais.

Isso principalmente porque esses workshops os sensibilizam para a gravidade das crises e para a real necessidade de saberem enfrentá-las com cabeça e atitude de estrategistas de estado-maior, não cedendo à adrenalina.

Depois de sensibilizados, torna-se muito mais fácil e eficaz internalizarem a norma e os comportamentos, adquirindo condição de administrar organizadamente uma crise, unindo e exercendo os valores do management racional às técnicas da comunicação, sob a ótica da arte política.