sábado, 13 de outubro de 2018

O Gauleiter Quer Ser Führer


Aos hesitantes bem-intencionados, que ainda sequer cogitam votar em Jair Bolsonaro neste segundo turno, sugiro que se informem sobre os métodos que Hitler utilizou para se eleger ao poder na Alemanha, após uma tentativa frustrada de golpe - e todos sabem em que deu essa trágica fase da História mundial. Descrições de suas táticas abundam na internet.

Com base em ideais nacionalistas e militaristas e explorando o desencanto e o desespero popular com a miserável situação alemã após a derrota na primeira guerra mundial, explorando também o temor de avanço dos comunistas, o desconhecido ex-cabo austríaco do exército germânico entrou em 1919 para um minúsculo Partido dos Trabalhadores Alemães, que pouco depois se tornou o Partido Nazista (NSDAP).

Contando com o pressuroso apoio da elite do país – empresários, igreja etc. – e várias manobras políticas, o partideco de Hitler cresceu rapidamente no parlamento e, em 1933, ele se tornou chanceler, dissolvendo a seguir o gabinete ministerial que havia sido criado pelos conservadores para tentar controla-lo.  

No mesmo ano os demais partidos foram banidos do parlamento ou se dissolveram e um decreto-lei declarou a Alemanha um país de partido único. Além disso o parlamento transferiu seus poderes de criar legislação para o Executivo, chefiado por Hitler, o homem que viria a encabeçar o extermínio de seis milhões de judeus e criaria o slogan “Deutschland Über Alles” (Alemanha Acima de Todos), tristemente evocado em lemas atuais de Donald Trump nos Estados Unidos e Jair Bolsonaro aqui no Brasil.

O clima em que ocorreram as eleições legislativas de 1933 é descrito pela Deutsche Welle, principal agência de notícias da Alemanha. Eis o texto, que dispensa comentários:

“Eleições alemãs de 1933 transcorreram em clima de intimidação

No dia 5 março de 1933 o Reich alemão escolhia seu novo parlamento. Mas prisões arbitrárias e terror praticado pelos nazistas durante a campanha eleitoral fizeram do último pleito parcialmente democrático uma farsa.

    
Em fevereiro de 1933, toda a Alemanha se encontrava em campanha eleitoral. O povo estava convocado para definir a nova composição do Reichstag, o parlamento nacional. No entanto, apenas um único assunto dominava o debate político: o recente incêndio da sede do Reichstag e a suposta tentativa de golpe por parte dos comunistas.

O chanceler do Reich Adolf Hitler e outras lideranças nacional-socialistas exploraram esse tema em suas campanhas, atiçando propositalmente o temor de uma revolução comunista. Numa onda de terror nunca antes vista, Hitler e seus asseclas disseminavam o medo e o pânico por todo o país.

País em estado de exceção

No país reinava o estado de exceção político, desde o incêndio do Reichstag, em 27 de fevereiro de 1933. Seguranças altamente armados patrulhavam prédios públicos, a polícia procurava por suspeitos nos trens de passageiros. Nas ruas, soldados da tropa de ataque nazista SA caçavam os inimigos do regime, com a ajuda de policiais.

E achar inimigos era coisa fácil. Pois, desde que o presidente do Reich, Paul von Hindenburg, assinara o documento que ficou conhecido como "Decreto do Incêndio do Reichstag", os direitos fundamentais garantidos pela Constituição estavam suspensos e nulos.

Os comunistas eram o principal alvo dos nacional-socialistas. O patrimônio do Partido Comunista da Alemanha (KPD) fora confiscado e os jornais comunistas sumariamente proibidos. Milhares de partidários do KPD, mas também social-democratas, foram presos ou obrigados a fugir para o exterior. "Aqui não tenho que exercer justiça, mas apenas que exterminar e erradicar", afirmava Hermann Göring, então chefe da polícia prussiana.

Hitler em todos os lares

Ao mesmo tempo, os nazistas ativavam sua máquina de propaganda. O ministro Joseph Goebbels declarou o 5 de março, data das eleições, "Dia da Nação que Desperta". Enquanto se atiçava o medo de um golpe comunista, Adolf Hitler era estilizado como salvador da pátria. Com grande sucesso: "É preciso apoiá-lo agora em sua causa, com todos os meios", exortava em Hamburgo uma adepta do NSDAP, o partido nacional-socialista.

Os nazistas empregavam todos os meios modernos em sua campanha eleitoral. No rádio, no cinema ou por via aérea, Hitler era onipresente em todo o território do Reich. Em 4 de março, um dia antes da fatídica votação, ele proferiu um discurso final em Kaliningrado, Prússia Oriental.

Por sua vez, os adversários políticos, como os social-democratas, tinham sua campanha eleitoral dificultada com violência: membros da SA invadiam seus comícios e espancavam os participantes, enquanto a polícia assistia impassível. Redações dos jornais de oposição eram devastadas e destruídas. Esses atos de terror deixaram um saldo de 69 mortos.

O "popular" Hitler

No dia 5 de março de 1933, um domingo, hordas de alemães se deslocaram rumo às urnas. A participação nas eleições foi elevada, quase 89%. Hitler contava com uma vitória esmagadora, mas os alemães iriam decepcioná-lo: apenas 43,9% dos votos foram para o NSDAP, o que significava 288 dos 647 assentos do Reichstag.

Embora os nazistas tivessem obtido um crescimento de quase 11% em relação ao pleito anterior, também dessa vez o percentual atingido não bastava que governassem sozinhos. Além disso, apesar de todo o terror pré-eleições, o KPD saiu com 12,3% dos votos, e os social-democratas do SPD com admiráveis 18,3%.

No entanto, a oposição não conseguiu tirar das mãos dos nazistas o poder parlamentar. Junto com seus outros parceiros, os nazistas dispunham de maioria estável para governar. E Hitler ainda tinha a seu favor o fato de o partido ter sido eleito com votos de todas as classes e camadas sociais. O NSDAP se tornara um verdadeiro Volkspartei, um "partido do povo". Grande parte dos antigos abstinentes haviam agora apoiado a legenda nazista.

Caráter puramente simbólico

Mas o resultado das últimas eleições do Reich alemão ainda meio livres, embora antecedidas por um terror sem precedentes, só teve significado simbólico: os mandatos dos deputados comunistas foram cassados, e o SPD viria a ser proibido pouco depois. Enquanto isso, o regime nazista ampliava sua política de terror, que em breve se estenderia também aos judeus.

Em seu diário, o então professor alemão de origem judaica Victor Klemperer descreveu com resignação o ocaso da moral e da liberdade dos alemães, que se dava praticamente sem qualquer resistência: "É surpreendente como tudo pode desmoronar tão rapidamente".

Afinal de contas, no pleito do 5 de março, os alemães ainda haviam podido escolher entre diferentes facções políticas. Nas eleições seguintes, em novembro de 1933, só havia um único partido: o dos nazistas.”

Na estrutura militaresca criada mais tarde por Hitler surgiu a figura do Gauleiter, uma pequena autoridade, que podia ser um chefe político de província, de bairro, de quarteirão, ou algum deputado anônimo. Todos eles se viam, claro, como miniaturas de Führer e procuravam imitá-lo.

quarta-feira, 30 de maio de 2018

Uma Aula Geral, sobre Rodas Paradas

A greve dos caminhoneiros é uma verdadeira aula magna sobre vários temas, para diversas categorias de alunos. E, como não há aulas grátis, está saindo cara para todos. Empresários e executivos, políticos, jornalistas, acadêmicos, líderes de sindicatos e entidades, eleitores, motoristas – enfim, a população inteira.

A primeira lição foi a nova confirmação do poder penetrante e abrangente das redes sociais, por meio das quais os caminhoneiros articularam e mantiveram o movimento, neste enorme país inteiro, mesmo após um primeiro acordo entre governo e representantes de entidades do setor. Foi como se dissessem “Quem se lixa para essa gente fazendo acordo em Brasilia? Nós, aqui na base, é que mandamos”. Falaram entre si por aplicativo e resolveram continuar parados, do Piauí ao Sul do Brasil.

Foi mais uma demonstração da força e intensidade com que as redes sociais, na prática incontroláveis, estão invadindo a política, como começou a ser poderosamente comprovado pela “Primavera Árabe”, em 2011 e nos últimos tempos é escancarado diariamente pela tuitagem de Donald Trump e por outras manifestações semelhantes de todo tipo, pelo mundo e no Brasil. 

Como as redes propiciam a atuação direta das bases, dispensando representantes, provavelmente a população inteira pôde entender – pelo menos sentir – que essa auto-gestão está ao alcance de todos.  Ou seja: se os caminhoneiros podem agir assim e encantoar o governo, nós, povo, também podemos. Não precisamos ser representados por políticos, dirigentes de sindicatos e de associações.

O que abre caminho para, por exemplo, uma gigantesca onda de desobediência civil da população brasileira – quem sabe uma revolta contra impostos, por exemplo, como foi a Tea Party, em 1773, iniciando em Boston o processo da revolução americana que desaguou na independência dos Estados Unidos.

Empresas foram forçadas pela greve a dispensar funcionários e paralisar a produção, por falta de matéria prima, impossibilidade de escoamento de produtos e até incapacidade de alimentação de porcos e frangos. O que significa que, enquanto não construirmos uma rede de transporte utilizando ferrovias e hidrovias, as empresas seguramente terão de esquecer um pouco o “just in time” e se planejar para futuras ações similares dos caminhoneiros e de outros grupos. Porque, agora que eles viram que essa tática funciona, ficou mais fácil repetir a dose sempre que se sentirem prejudicados de alguma forma.

Cientistas políticos, jornalistas, comentaristas, editorialistas também devem estar-se indagando, imagino, se, afinal, a nossa democracia é do povo, pelo povo e para o povo, como pregou Abraham Lincoln, ou dos caminhoneiros, pelos caminhoneiros e para os caminhoneiros. Porque, no momento em que eles se recusam a encerrar o movimento enquanto o atendimento de suas reivindicações não fosse publicado no Diário Oficial – como acabou sendo, imediatamente e em edição extra – os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário foram efetivamente arrastados sobre o asfalto pelas carretas.

Finalmente, uma lição para todos nós, a sociedade nacional, é que, para longe de golpes militares ou civis – como pregam alguns primatas de internet ou de passeata – precisamos perseverar na edificação da democracia. O diabo é que democracia se constrói aos trancos e barrancos mesmo, não é um  processo tranquilinho – e toma muito tempo. Todo o tempo. E o Brasil demorou muito para começar. Estamos vivendo o mais longo período de democracia e total liberdade de pensamento e expressão de nossa História. Mas são apenas 30, dos 518 anos desde Cabral. Portanto temos pela frente a proverbial tarefa hercúlea.  Esperemos que um upgrade da política e dos políticos ocorra nesse processo e em virtude dele.

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Polícia Federal: Media Training não Resolve Falta de Bom-Senso



Segundo a Folha de S.Paulo o diretor-geral da PF, Rogério Galloro, irá promover um treinamento sobre relações com a mídia (media training), destinado a aprimorar a qualidade da interface entre diretores e superintendentes do órgão e jornalistas.

A meta principal, diz a matéria, é evitar mal-entendidos e equívocos de comunicação que provoquem repercussões prejudiciais junto à opinião pública, citando como exemplos negativos uma entrevista coletiva referente à Operação Carne Fraca, no início de 2017, que teria gerado crise no mercado internacional de carne; e entrevistas do ex-diretor-geral Fernando Segovia, que acabaram por causar sua demissão.

Essa notícia da Folha parece sugerir que o treinamento projetado pretende aperfeiçoar a forma de interface entre dirigentes da PF e jornalistas, o que, porém, é o último dos problemas dessa equação.

Porque, da mesma forma que na empresa privada, o essencial, o indispensável para uma comunicação eficaz, são os valores e a postura pública dos executivos responsáveis pela entidade e por seu diálogo com a sociedade, diretamente ou via mídia. Os acessórios de Comunicação só vêm depois disso. E são acessórios.

O fundamental não é como e quando falar, mas o que falar – e aí somente media training não resolve. É preciso, antes de tudo, bom-senso, avaliação de oportunidades e do contexto local, nacional e internacional em que se dá uma comunicação, previsão de repercussões – enfim, características de gestores de alto nível, tanto em órgãos públicos como em empresas privadas.

Ingredientes que obviamente não guiaram os dois exemplos citados na matéria da Folha: o inacreditável episódio Fernando Segóvia e o desastre da Carne Fraca.

Se não se partir desse princípio fundamental, o bom-senso acima de tudo, não há media training que resolva. Porque a ausência desse alicerce é o caminho para, como muitos executivos gostam de fazer, dar de ombros sempre que há uma crise institucional e encerrar o assunto usando a desculpa fácil de dizer que é “um problema de comunicação”.  

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Empresa, Comunidade e Opinião Pública: Candidatos do mercado se comunicam consigo mesmos

Empresa, Comunidade e Opinião Pública: Candidatos do mercado se comunicam consigo mesmos: É no mínimo muito divertido assistir à evolução na avenida desses pré-candidatos a presidente da república lançados por si próprios, com...

Candidatos do mercado se comunicam consigo mesmos



É no mínimo muito divertido assistir à evolução na avenida desses pré-candidatos a presidente da república lançados por si próprios, com ideias que agradam ao mercado financeiro.

Parecem crer piamente que bandeiras como a reforma da previdência, privatizações, redução do tamanho do estado etc. irão sensibilizar o eleitorado a ponto de leva-los à Presidência (ou melhor, à “gestão” do País, como está em moda dizer).

Pesquisa e comunicação não parecem estar no cardápio de suas pré-campanhas, caso contrário conheceriam melhor esses muitos milhões de eleitores, seu grau de informação, suas agruras, necessidades e anseios.

E suas mensagens seriam formuladas e dirigidas a essas pessoas reais, não aos colegas do mercado, como acontece atualmente. Um marciano que desembarcasse no Brasil, ao ler suas entrevistas e frases na mídia, poderia pensar que banqueiros, o pessoal de agências de risco e analistas financeiros são quem elege candidatos a presidente por aqui.

Na verdade a impressão que se tem é de que, no fundo no fundo, eles gostariam mesmo é de ser deputados ou senadores – representando algum setor financeiro ou empresarial – não presidente da república.

A coisa toda é tão irreal – banqueiros, varejistas, apresentadores de TV apregoando a frio bandeiras obviamente impopulares, como se elas pudessem apaixonar as grandes massas – que se tem a sensação de um mau filme absurdo que tenta imitar os do Monty Python.

Lembrar que o único interesse do eleitor é saber O QUE ELE GANHARIA COM AS PROPOSTAS DE UM CANDIDATO, QUE VANTAGEM ELE LEVARIA COM A IMPLANTAÇÃO DESSAS IDÉIAS, não parece passar-lhes pela cabeça.

O mínimo que poderiam fazer, para levar suas candidaturas a sério, é virar essas bandeiras pelo avesso, utilizando todas as oportunidades para mostrar ao povo – aquele que realmente elege – quais as vantagens, para esse povo, das propostas que apresentam.

Só que, para isso, precisariam primeiramente conhecer o eleitor, por meio de muita pesquisa – das quais, pelo jeito, eles atualmente passam longe. 

A seguir teriam de formular mensagens, dirigidas a esse eleitor, não a seus colegas de Febraban ou de seminários de empresários, mostrando – emocionalmente, não racionalmente – que vantagens concretas terá o povo brasileiro com sua plataforma liberal.

Finalmente, teriam de ir procurar esses eleitores nos lugares onde eles estão – pela mídia adequada, não só por jornais de classe A/B – e martelar essas mensagens em todas as chances que tivessem. (E conseguir essas chances também precisaria fazer parte do esforço de campanha).

Tudo óbvio. Nada disso é original, ou, como dizem os americanos, difícil como rocket science. Mas não parece passar pelas cabeças desses nefelibatas.