sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Sustentabilidade não existe sem direitos humanos


Dias atrás ouvi um comentário que me deixou surpreendido pela desinformação (na melhor hipótese) ou má fé (na pior) de quem o fez. “Direitos humanos – disse a pessoa – não tem nada a ver com sustentabilidade. São coisas diferentes.”

É para mim tão óbvio que não há sociedade sustentável sem o respeito aos direitos humanos, que parece difícil que alguém tenha uma visão tão desacertada.

No entanto, como os clichês têm o mau costume de colocar conceitos em caixinhas separadas na cabeça das pessoas, aquela afirmação me fez pensar que o autor da infeliz frase talvez não seja o único a ter essa impressão.
Pode ser que haja até quem acredite que sustentabilidade é "in" porque é moderna e está na moda. E que direitos humanos é coisa de gente contestadora e que gosta de fazer marola.
Apesar da sustentabilidade se caracterizar pelos três pilares (conservação ambiental, sucesso econômico e desenvolvimento social), muitos ainda acham que esse conceito se aplica somente, ou com grande predominância, ao meio ambiente.
Outros, entre os quais possivelmente esteja o autor daquela frase acima, pensam no desenvolvimento social como apoio financeiro a comunidades no entorno de suas unidades operacionais – notadamente em atividades de educação, saúde e melhora da qualidade de vida da população – mas se esquecem de que todas essas áreas são abrangidas por uma dimensão política (no sentido mais elevado e nobre dessa palavra) pelos direitos humanos.

Segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela ONU há nada menos que 64 anos, todas as pessoas têm direito, entre outras coisas, à vida, liberdade, dignidade, segurança pessoal, presunção de inocência, liberdade de locomoção, propriedade, liberdade de opinião e de expressão, votar e ser votadas em eleições livres, periódicas e legítimas.
Além disso a Declaração condena violências como a servidão, tortura e tratamento cruel, discriminação de qualquer tipo e detenção arbitrária.

É impossível não reconhecer que tais direitos e condenações compõem o cerne do alicerce da democracia. E o corolário dessa constatação é que é impossível separar a sustentabilidade dos direitos humanos. Os dois conceitos precisam habitar a mesma caixinha nos cérebros de todos. Um não existe sem o outro.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Filantropia, desenvolvimento e direitos humanos

Foram chocantes e abridoras de olhos, para quem quer uma vida melhor para a população brasileira, algumas cifras elencadas ontem por Marcos Kisil, presidente do IDIS-Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, ao encerrar o I Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais, realizado em conjunto pelo IDIS e pelo Global Philanthropy Forum.

Sétima maior economia global, o Brasil tem o 84º IDH-Índice de Desenvolvimento Humano, entre todas as nações do mundo. Essa constatação basta para mostrar a brutal contradição que vivemos, entre a riqueza do País e a baixa qualidade de vida de seus habitantes.
Claro que isso ocorre porque 75% da riqueza nacional estão em poder de somente 10% da população.

Os reflexos dessa situação na educação são trágicos. Kisil observou que o Brasil tem 13 milhões de analfabetos com mais de 15 anos. E eu já publiquei aqui que 38%, mais de um terço dos estudantes universitários brasileiros, não conseguem interpretar e associar informações, quando leem um texto. E 27% da população total estão na mesma situação. Ou seja, são analfabetos funcionais, que conseguem ler e escrever, mas não compreendem o texto, segundo o Indicador de Analfabetismo Funcional determinado por meio de pesquisa e testes pelo Instituto Paulo Montenegro e pela ong Ação Educativa.
O tema principal do Fórum presidido por Marcos Kisil foi o papel que a filantropia pode/deve ter no desenvolvimento nacional, para melhorar esse quadro deprimente, em complementação às políticas públicas que o governo executa com os recursos dos impostos pagos pela população.

Mas nesse campo da filantropia também não temos uma foto muito bonita a mostrar. No Brasil o total de doações não passa de 0,4% do PIB, enquanto a média da América Latina é o dobro disso: 0,8%. Em volume de doações, somos o 85º entre 125 países, enquanto, por exemplo, o Paraguai é o 42º.
Tudo isso mostra que não só nossa sociedade tem o dever de ser mais generosa para quem necessita de ajuda e apoio, mas que também o governo tem de fazer sua parte, facilitando e promovendo as doações pelas pessoas físicas e jurídicas.

No entanto, para que essas doações possam ir além do paternalismo e efetivamente auxiliem a transformar a sociedade para melhor, elas devem privilegiar, além das indispensáveis iniciativas voltadas para a educação e a saúde, também as que visam a proteger e tornar efetivos os direitos humanos de forma mais ampla.

A propósito, conheça ou relembre quais são esses direitos - que abrangem a educação e a saúde, mas vão muito além, "considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo". Visite em http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que comemora na semana que vem seu 64o.  aniversário, adotada e proclamada que foi pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1948. 

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Elevando a barra: da sustentabilidade à integridade


Creio que já chegou a hora das empresas e entidades elevarem o patamar de seu valor maior, evoluindo da sustentabilidade para a integridade.
A palavra sustentabilidade, puída pelo uso excessivo e desgastada pelo engate com o marketing, hoje é obrigatoriamente empregada por tudo e todos, quer pratiquem ou não seus mandamentos de responsabilidade sócio-ambiental e resultado econômico.

Ao passar a se pautar pela integridade, uma empresa estará reforçando seus compromissos com mais que falar e escrever sobre a sustentabilidade, mas a efetivamente praticá-la, além de mais explicitamente abranger questões como a boa governança, combate à corrupção, respeito ao cliente e ao funcionário, não-demagogia publicitária, retidão e boa ética em todos os comportamentos.
Ser íntegro significa, essencialmente, ser inteiro. E, ao se comprometer com a inteireza, a empresa estará também assinando com toda a sociedade um contrato para realmente fazer o que prega, todos os dias, o dia todo, em todas as circunstâncias – não apenas dizer, escrever e mostrar na TV que faz isso.

Para isso, além da decisão político-estratégica de evoluir da sustentabilidade para a integridade, será indispensável estabelecer as ações específicas a serem adotadas pela pessoa jurídica e pelas pessoas físicas que lhe dão corpo, bem como construir uma régua com as métricas para mensurar a implementação dessas ações e seus resultados.
As empresas que primeiramente adotarem essa elevação de patamar, tornando a integridade sua bandeira, seguramente diferenciarão positivamente suas marcas, em meio ao bombardeio caótico do paroxismo de comunicação que vivemos.

 

sábado, 29 de setembro de 2012

Crisis Management face à mídia

Todos conhecemos uma grande variedade de situações criticas, envolvendo empresas, produtos e marcas, ocorridas tanto no Brasil quanto em outros países.

Casos como o envenenamento ou contaminação de produtos prejudicaram Tylenol, as balas Van Melle, a Coca Cola, o palmito em conserva Gini. A Nestlé foi vitima de tentativa de chantagem. A Exxon, a Petrobras e a Chevron, em diferentes graus, poluíram o mar com óleo. Comprimidos Microvlar com farinha de trigo em lugar do elemento ativo criaram enormes problemas para a imagem do produto e de seus fabricantes. Um avião da TAM caiu em Congonhas, fazendo varias vitimas. E uma enorme quantidade de pessoas morreu em Bhopal, na Índia, em virtude de exalações de uma fabrica da Union Carbide. De Cubatão nem se fala: a crise abrangeu a população, todas as empresas de lá, a cidade e a região inteira durante anos.

Todos esses casos tiveram reflexos terríveis e criaram imensas dificuldades para as empresas. Mas a vida das companhias, das entidades e das pessoas é, na verdade, uma seqüência ininterrupta de problemas a serem resolvidos. Todos os dias precisamos resolver alguns. Isso é rotina da vida.

Então quando é que um problema passa a ser uma crise, no sentido em que essa palavra é usada na expressão Crisis Management? Qual a diferença, nesse contexto, entre problema e crise?

Para mim, um problema se transforma em crise potencial ou real quando corre o risco de ter repercussão na mídia, ou quando é efetivamente divulgado pelos veículos. Caso contrário, é um mero problema interno da empresa, que pode ser bem resolvido, mal resolvido, empurrado com a barriga etc.

Mas quando esse problema vira notícia, a solução não pode ser ruim, nem protelada. Vira crise. Nesse caso, há três situações possíveis. Ou nós já sabemos do problema antes da mídia, ou a mídia o detecta e pede um pronunciamento da empresa, ou ainda ela já publicou o fato negativo e a empresa precisa reagir.

Em qualquer dessas situações, é essencial que a empresa decida rapidamente qual a estratégia a adotar. E, para isso, é fundamental que ela disponha de uma norma escrita, preexistente, para administração de crises, a fim de que todos saibam como agir, quem consultar, o que fazer, sem perda de tempo nem de energia.

Cada uma dessas situações exige, é claro, um tipo de postura da empresa, em sua relação com a mídia (e também com os demais segmentos relevantes da opinião pública e stakeholders), visando solucionar a crise, limitar e circunscrever a divulgação negativa etc.

Requer também postura e desempenho adequados dos executivos a quem cabe gerenciar a crise de forma a minimizar prejuízos para a empresa. Administrar uma crise empresarial pode ser comparado, com as devidas ressalvas, a negociar com seqüestradores.

Por exemplo, o administrador de crise deve ter claro que seu objetivo é reduzir os danos causados por ela, não retaliar quem a causou ou quem a noticiou. Da mesma forma, quem negocia com seqüestradores tem por meta libertar os reféns, não vingá-los.

Sangue frio, psicologia para dialogar, sensibilidade política, boa interface com a equipe, experiência de trabalhar sob pressão e sem dispor de tempo, senso de oportunidade, saber usar as diversas ferramentas de comunicação – todas essas são algumas das características de um administrador de crises empresariais.

Não há duas crises idênticas. Os livros publicados sobre o assunto no exterior e aqui mostram inúmeros cases e todos têm características individuais. Por isso não existe uma “receita” que se aplique a todas as crises. Mas há algumas regras gerais básicas: agir rapidamente, demonstrar transparência, assumir a iniciativa do processo são algumas delas.

E, dependendo da postura e do comportamento da empresa e dos responsáveis pela administração da crise, por vezes é até possível transformar um limão em limonada - e até em caipirinha - revertendo o processo de forma a transformar um potencial desastre em diferencial positivo para empresa.

 

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Brasileiro é tão bonzinho...

A população brasileira é muito mais crédula do que os americanos e os europeus em relação às diversas profissões. Foi o que mostrou uma pesquisa feita meses atrás pelo instituto GfK e da qual me lembrei agora, nesses tempos de julgamento de políticos, banqueiros e subalternos, porque é de se esperar que episódios como esse colaborem para reduzir nossa ingenuidade e aperfeiçoar nossa tão-jovem democracia.

Talvez esteja nessa credulidade uma explicação concreta para o conformismo e a índole cordata atribuídos ao nosso povo, do qual frequentemente se critica a insuficiente cobrança de melhores serviços públicos, de maior transparência e eficácia dos gastos governamentais, do fornecimento de produtos e serviços de melhor qualidade pelas empresas e de comportamento ético e transparente por parte de políticos, companhias e organizações de todo tipo.
Contrastando com o ceticismo daqueles outros povos, a pesquisa mostrou que os brasileiros confiam mais que eles em quase todos os profissionais, com exceção dos policiais, única categoria em que nós acreditamos menos. Até nos políticos, unanimemente os últimos colocados na tabela, nós cremos mais que eles (19% contra 17%).
Nessa pesquisa que entrevistou mil pessoas no Brasil e 17.295 em países da Europa e nos Estados Unidos, os bombeiros, os mais críveis de todos (97% a 94%), são seguidos pelos carteiros, professores do ensino fundamental e médio, médicos e pelos militares. Em todas essas categorias nós acreditamos mais que os europeus e americanos, mas estamos próximos, sempre acima de 80%.

As maiores discrepâncias aparecem quando se fala nos publicitários e nos profissionais de marketing. Enquanto, nos primeiros, nós acreditamos 43% mais que os outros povos, os marqueteiros gozam, no Brasil, de 38% a mais de credibilidade que na Europa e EUA.
Os jornalistas vêm a seguir na tabela da credulidade nacional. Nossa confiança neles é 35 pontos percentuais superior à que eles possuem entre os outros povos pesquisados (79% a 44%).

Em seguida, nessa relação de discrepâncias, aparecem os diretores de grandes empresas. Essa menor confiança de europeus e americanos nos executivos se deve, sem dúvida, à crise financeira que atingiu o mundo em 2008, flagrantemente causada pelos desmandos e abusos que partiram de Wall Street e contaminaram todas as economias do mundo – mas com efeitos menores por aqui, graças a melhor controle do sistema financeiro e à pujança do mercado interno brasileiro.
Depois dos executivos, na lista de nossa maior credulidade, surgem os pesquisadores de mercado: no Brasil 81% acreditamos neles, enquanto Europa e Estados Unidos lhes atribuem apenas 54% de confiabilidade. E as ONGs ambientais vêm depois, com 82% dos brasileiros confiando nelas, enquanto só 65% de europeus e americanos lhes dão crédito.

Os policiais é que andam mal no Brasil, em comparação com o mundo desenvolvido. Única categoria em que nós acreditamos menos, 76% dos europeus e americanos confiam na polícia, enquanto sua credibilidade junto aos brasileiros só alcança 59%.
Uma conclusão que se pode tirar de tudo isso, claro, é que somos todos uns trouxas facilmente embrulháveis. Mas me parece que o lado positivo dessa nossa tendência a confiar no outro e da nossa ausência de irredentismo é que possuímos um poderoso potencial para unir a sociedade civil em movimentos construtivos para melhorar a qualidade da vida da população.

Temos moral, por sermos crédulos e por termos fé nos concidadãos, para nos unirmos eficazmente em iniciativas em prol da ética, da conservação ambiental, da solidariedade, da responsabilidade empresarial, governamental e política, da sustentabilidade.
Polianismo? Utopismo? Idealismo? Pode ser, mas isso é totalmente mau?

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Que bicho é esse?

No público interno — o primeiro círculo concêntrico da comunicação empresarial, o mais importante, pois não adianta tentar criar boa imagem aos olhos dos públicos externos sem que os funcionários tenham bom conceito da empresa — fortes choques causados pela mudança de paradigmas que vivenciamos colocam desafios sem precedentes para os responsáveis pela comunicação empresarial.

A principal meta da comunicação interna sempre foi e continua a ser a integração entre empregados e empresa, um esforço para que os funcionários percebam, sintam e pratiquem uma aliança entre seus interesses e os da empresa.

Mas hoje essa necessidade de integração se passa num ambiente que empurra para a desintegração. A segurança no emprego foi substituída pela rotatividade, pelo achatamento das organizações e pela redução de cargos. O salário fixo evoluiu para a remuneração por objetivos, pay-for-performance, bônus baseados no resultado financeiro da empresa.

O trabalho em equipe, tradicionalmente valorizado, é pressionado pelo individualismo e pela competitividade. O desejo de fazer carreira na empresa é ultrapassado pela necessidade de construir uma trajetória pessoal, seja onde for. Funcionários com carteira assinada e hollerith são substituídos por serviços terceirizados, free-lancers fixos, consultores e trabalhadores temporários.

E a comunicação com os funcionários — que, ao longo dos anos, passou do quadro de avisos para o jornal, daí para a revista, a seguir evoluiu para o noticiário de TV — hoje é pela intranet. O lado bom é que isso descentralizou e democratizou a comunicação interna. O outro lado é que os executivos e os profissionais especializados ainda não sabem lidar muito bem com essa comunicação sem limites.

Nossa grande dificuldade é que a necessidade de integração entre funcionários e empresa — pressionada dessa forma pelo ambiente de desintegração que caracteriza a nossa modernidade — prossegue sendo a meta-síntese da comunicação interna. Além disso, os empregados continuam tendo de ser transformados em "embaixadores" da empresa — ou seja, mais que sempre precisamos conseguir que eles falem bem da empresa em que trabalham. Até porque a democratização da comunicação interna e externa transformou todos eles em comunicadores e porta-vozes da empresa — ou seus críticos.

Isso tudo no público-alvo mais próximo da empresa, seus funcionários. No segundo círculo concêntrico da comunicação empresarial, a comunidade em que a empresa se insere, os conceitos não mudaram menos. Porque também o conceito tradicional de comunidade (a população da cidade onde a empresa tem operações) está ultrapassado.

Hoje a empresa está inserida em várias comunidades simultaneamente. E quem criou essa situação foi a comunicação eletrônica fácil, global e imediata. Além dos que moram no município onde se localiza a unidade industrial, os acionistas da empresa também constituem hoje uma comunidade. Os consumidores e suas entidades são outra. Os fornecedores, os clientes, as ONGs, mais outras. E assim por diante. Onde quer que estejam, todos os indivíduos integrantes dessas novas comunidades — que até recentemente nem sabiam da existência uns dos outros e precisavam dos correios, do telefone ou do fax para se comunicar, com todas as dificuldades que isso implicava — hoje se falam a qualquer momento, por computador. Foi essa facilidade de comunicação que os transformou em comunidades de stakeholders.

Mudanças radicais, como se vê, na configuração dos principais setores da opinião pública que interessam às empresas. E o grande desafio, para a comunicação empresarial, é que essas mudanças nos obrigam a reaprender a pedalar sem que a bicicleta pare ou caia. Um probleminha adicional: os pedais mudaram de lugar e ninguém ainda sabe onde foram colocados. Outra dificuldade: não é mais uma bicicleta, mas o mundo ainda não tem idéia de que bicho é.


 

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Pior soa melhor?

Anos atrás, morando em Londres, conheci um casal de intelectuais portugueses que lá também viviam, auto-exilados de seu país, dominado então pela ditadura obscurantista de Antonio de Oliveira Salazar, eternizado no poder por 36 anos, de 1932 a 1968.

Como convivíamos bastante, um dia comentei com eles que lhes invejava a beleza de seu falar, porque os portugueses, disse eu, usavam o dicionário inteiro, enquanto nós, brasileiros, abastardávamos muito nossa língua do dia-a-dia e empregávamos um vocabulário muito mais pobre.
A resposta que recebi me fez pensar, inclusive por seu significado político: “Pode ser – retrucou meu amigo luso – mas vocês têm no Brasil uma língua viva, que cria palavras novas, enquanto a língua de Portugal está morta, parada no tempo.”

Infelizmente, porém, esse elogio não se justifica muito no nosso jornalismo diário atual. Uma coisa que me incomoda, por exemplo, é o uso de palavras dotadas de forte carga semântica pejorativa, em situações que não as justificam. No futebol um atacante de estatura elevada é sempre grandalhão, adjetivo que não significa somente “alto”, mas também meio desengonçado. Ainda no jornalismo futebolístico, um time que tem jogo rápido, ou atletas que exploram sua velocidade, fazem sempre correria, um termo que também sugere gasto vão e inútil de energia.
Com incômoda frequência um documento extenso vira calhamaço e grande quantidade de números e cifras torna-se, nessa língua rasa e pobre, uma numeralha. Palavras depreciativas cuja carga semântica negativa seus redatores, ou desconhecem, ou então julgam “inteligente” utilizar. Por esse cínico código, a Bíblia facilmente poderia virar calhamaço e as equações do último teorema de Fermat mereceriam ser chamadas de numeralha.

Nas manchetes e textos o dólar nunca apenas cai, ele sempre desaba. Mesmo que seja 0,8%. E uma série de textos, anotações ou relatórios torna-se uma papelada com cansativa assiduidade.
Quase nunca há uma controvérsia. O que sempre existe são polêmicas – o que não é bem a mesma coisa, mas os jornalistas e radialistas, por alguma recôndita razão, parecem achar mais sexy.

E, a julgar pelo número de vezes que a palavra crise aparece no noticiário, a vida, no Brasil e em todo o mundo, é uma tragédia global permanente. Como se todas as desinteligências, mal-entendidos, desacordos, anormalidades, quebras de rotina, deficiências, conflitos e negociações pudessem ser liquidificadas e invariavelmente configurassem uma CRISE.

sábado, 25 de agosto de 2012

Dançar com um rottweiler

Há dias, lendo um romance policial, desses pocket books de livraria de aeroporto, topei com uma bela imagem de um dos protagonistas, que afirmava que relacionar-se profissionalmente com um jornalista é como dançar com um rottweiler.

Bem achado. Porque, nessa situação, você tanto pode levar uma lambida carinhosa como uma dentada no pescoço. E a relação com a imprensa, por mais que se queira dourar a pílula, é assim mesmo.

Não porque o jornalista ou o rottweiler sejam intrinsecamente malvados. E sim porque é da sua natureza – a mesma do escorpião gentilmente transportado por um sapo à margem oposta do riacho, que depois recompensa o transportador com uma picada venenosa.

Atenção! Não estou aqui a falar mal da imprensa. Também sou jornalista. Mas nos muitos anos que venho dedicando a ajudar empresários e executivos a construir uma interface positiva com a mídia, sempre os adverti de que não há jornalistas amigos. Há jornalistas. E há amigos. Porque o jornalista que se preza está de antenas ligadas 24 horas por dia, sete dias por semana, inclusive domingos, feriados e dias de graça.

E a função social da imprensa não é elogiar e sim criticar. Por que? Má vontade? Oposicionismo? Jornalista é sempre do contra? São todos comunistas? Não, simplesmente porque, mesmo somando o espaço disponível em todos os veículos noticiosos do planeta, ele não será suficiente para elogiar as multidões que merecem encômios diariamente.  Além do que, agir bem é obrigação, é a regra. Por isso, como o que é noticia é a exceção, geralmente quem sai no jornal é o que age mal.

Ainda assim não tenho dúvida de que vale a pena o risco de tirar esse rottweiler para dançar. Porque, se você for um razoável pé-de-valsa, os resultados geralmente serão positivos para sua empresa e para você.

Apesar deste artigo ter partido da metáfora canina, na verdade a idéia surgiu quando alguém me pediu que explicasse de que maneira o bom relacionamento com a imprensa agrega valor a uma marca ou empresa.

Então vamos lá, sumariamente. A imprensa não é um público-alvo propriamente dito, para empresa alguma. É, isto sim, o mais poderoso meio de projetar sua imagem junto aos setores cuja opinião realmente interessa: seus clientes, funcionários, acionistas, círculos empresariais e financeiros e o governo – estes, sim, os verdadeiros públicos-alvos da empresa.

Por isso é que um relacionamento positivo e bem-azeitado com a imprensa – além de ser obrigação indispensável para defender a reputação institucional da empresa, quando necessário – constitui também uma ferramenta estratégica muito útil para promover seus interesses.

Na postura defensiva – digamos que a empresa se veja em situação vulnerável a críticas por qualquer razão – se ela já dispuser de um serviço de relações com a mídia ativo e funcionando bem, em primeiro lugar contará com o pessoal e a metodologia necessários para a interface necessariamente rápida com a imprensa. Além disso, por seus executivos conhecerem os jornalistas, terão possibilidade de pronto acesso a eles. E, sendo lembrados pelos jornalistas, de situações favoráveis anteriores, disporão também de credibilidade a seus olhos. Ou seja: aumentará a chance da empresa ganhar um chamego do rottweiler em vez de uma mordida.

Somente essa faculdade de poder defender-se de maneira competente, no tribunal da opinião pública, já seria mais que suficiente para demonstrar as vantagens de investir em um bom serviço de media relations.

Mas essa mesma estrutura também é de grande utilidade para agregar valor na promoção pró-ativa dos interesses da empresa. Serve para divulgar seus novos produtos e serviços, por exemplo. Além de ampliar o conhecimento dos stakeholders (os antigos públicos-alvos) sobre as realizações institucionais da própria empresa, como novas fábricas, negócios e transações, conquista de mercado etc.

Não esquecendo que, ao fazer uma reportagem sobre o setor a que a empresa pertence, é mais provável que o jornalista consulte uma companhia que divulga ativa e regularmente suas novidades, do que outra cujos executivos ele não conhece.

E, por serem conhecidos, seus executivos terão maior probabilidade de se constituir em fontes, consultadas pela imprensa sempre que ela precisar de informações sobre o setor em que a empresa atua – ou até sobre a economia, o mercado de consumo, as tendências etc. – ampliando, dessa forma, a visibilidade da empresa e de seus produtos junto aos públicos de seu interesse.

Agora, se todos esses argumentos ainda não forem suficientes para você dotar sua empresa de um bom serviço de relações com a imprensa – não uma simples fábrica de press releases, mas sim uma organização de cabeça estratégica – então talvez seja mesmo melhor você contratar um valente domador de rottweilers.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Como fazer um jornal de empresa

Caiu-me nas mãos recentemente um artigo que escreví anos atrás e cujo conteúdo eu sempre tenho utilizado em trabalhos que abrangem comunicação interna. Apesar de visar a quem publica jornais e revistas impressos, as recomendações nele contidas se aplicam igualmente aos responsáveis por portais eletrônicos empresariais, pois têm a ver mais com a postura profissional e de gestão de quem faz uma publicação desse tipo do que com seu formato.

Qualquer manual de relações públicas tem uma relação dos objetivos de um “house organ”: integração, comunicação, evitar boatos etc. Mas, além dessas colocações teóricas, há algumas regras práticas tipo “faça / não faça”, que a experiência nos ensina e que vale a pena rever, entre as quais as seguintes:
1. Faça um veículo que o leitor queira ler.
Essa é evidentemente a regra-síntese. Pergunte-se constantemente se o funcionário a compraria, caso a publicação fosse vendida. Se você achar que ele não compraria, encontre formas de mudar essa situação.
2. Faça o chefão participar da pauta.
É essencial que o responsável maior pela publicação (presidente, diretor ou gerente) participe ativamente das reuniões de pauta, tanto para ajudar a elaborá-la como para vivenciar e sentir os problemas.
3. Envolva mais gente.
Não permita que o jornal se torne (ou seja visto como) “propriedade” de uma pessoa ou departamento. Crie comitês editoriais atuantes, no escritório central e nas fábricas e/ou lojas, com homens e mulheres de diversos níveis e funções na empresa, tanto para obter mais informações e “feedback”, como para proporcionar o envolvimento de outras pessoas e setores na elaboração do jornal.
4. Não tente concorrer com a grande imprensa.
Por melhor que seja, nunca o jornal ou revista interna poderá concorrer com “Veja”, “Claudia”, ou a “Folha”. Por isso não se frustre nessa tentativa. A publicação interna serve para o conjunto empresa / empregados. Concentre-se nesse universo, que é riquíssimo e cuja integração é a sua grande missão.
5. Publique um editorial em todas as edições.
A empresa sempre tem algo importante a dizer a seus funcionários, ainda que por vezes não tenha clara consciência disso. Cabe a você descobrir qual é essa mensagem, formulá-la inteligentemente e fazer com que, em todas as edições e em local fixo, haja um pronunciamento da empresa, que seja de interesse para os leitores.
6. Não desgaste o presidente.
Não use em vão o nome, a foto e a assinatura do principal executivo da empresa. Ele deve ser preservado para situações especiais, a fim de que sua presença no veículo empreste real importância à notícia ou mensagem. O editorial, por exemplo, deve ser de responsabilidade do jornal ou revista e não assinado pelo presidente nem por ninguém.
7. Use o “house organ” para as notícias mais importantes.
Se o jornal interno tiver apenas matérias água-com-açúcar, enquanto as informações relevantes são divulgadas por outros meios, sua empresa estará desperdiçando recursos. Use o jornal para as mensagens mais significativas. Publique edições extra, quando for oportuno. Acostume os funcionários a verem na publicação interna o veículo de comunicação mais representativo da empresa.
8. Faça um jornal que seja levado para casa.
Procure ter sempre na pauta assuntos que também interessem de alguma forma à família do funcionário, pois o grau de integração do empregado com a empresa é em grande parte função de como sua mulher (ou marido) vê o lugar onde o cônjuge passa mais da metade de seu tempo. O ideal mesmo é que a publicação seja entregue nas residências dos funcionários, não na fábrica ou no ônibus.
9. Publique anúncios classificados internos.
Nada aumenta tanto o interesse dos funcionários (e de suas famílias) pelo jornal interno, quanto anúncios classificados tipo “vendo um Fusca 98 - tratar com Alberto, ramal 387” ou “troco bicicleta nova por aparelho de som”. Portanto encoraje essa prática. Mas não publique os anúncios todos juntos. Espalhe-os pelo jornal ou revista, de forma que, para encontrá-los, o leitor seja conduzido a todas as páginas, aumentando assim a probabilidade de ser atraído por títulos, fotos ou matérias.
10. Esqueça as palavras cruzadas.
Piadinhas, cartas enigmáticas e charadas em uma publicação interna não passam de enchimento de lingüiça. Sem tornar o jornal ou revista chato ou pesadão - longe disso! - o espaço deve ser usado para informações, fotos e matérias relevantes, de conteúdo. Publicar diversões é a melhor maneira de fazer com que acabem chamando o jornal interno de “jornalzinho”, o que desmoraliza o veículo. E merecidamente.
11. Saiba que o trabalho não termina quando o texto está escrito.
Ao contrário do repórter do “Globo” ou do “Estadão”, que considera o dever cumprido quando entrega seu texto ao editor, quem faz jornal de empresa tem de se preocupar com todos os detalhes e curti-los vivamente, da pauta ao texto, da foto à diagramação, do editorial à distribuição. Lembre-se que todos os detalhes contam: se a expedição ou o departamento de RH não fizerem o jornal chegar rapidamente às mãos de todos os funcionários, a publicação não existe. E o culpado é você.
12. Não se esqueça: sem “nós”, não há empresa.
Não faça uma publicação que se refere à empresa na terceira pessoa, como se ela fosse uma entidade afastada dos funcionários que a integram. O surgimento de um novo produto, por exemplo, não deve ser noticiado como uma realização da empresa, e sim como uma conquista coletiva. Ao invés de “A XYZ lança novo sabonete”, prefira o título “Nosso novo sabonete chega às donas de casa”. Para ter fábricas e tecnologia, basta à empresa ter dinheiro: já a lealdade dos funcionários é preciso conquistar continuamente, dia após dia.

13. Fotos de funcionários, muitas, sempre.

Os leitores-funcionários e seus familiares querem aparecer nas fotos. Aproveite esse desejo para ampliar a penetração da publicação. E fotos de diretores e do presidente, só quando for jornalisticamente válido. Fotos de você mesmo, quase nunca.
14. Você tem um jornal nas mãos.
Quantas pessoas no mundo têm a oportunidade de ser "publisher" de um jornal ou revista? Seja você o executivo responsável pela publicação, ou o jornalista encarregado de sua produção, aproveite-se dessa chance única e privilegiada de ser o grande editor que qualquer pessoa criativa sonha ser. Realize-se no “house organ” que lhe foi confiado. Parametrize-se pela excelência. Não se satisfaça com o mais-ou-menos: exija de você e de sua publicação sempre o máximo.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Citius, altius, fortius... sapientius

Mais rápido, mais alto, mais forte. O lema em latim dos Jogos Olímpicos. Ouso dizer que, pelo menos no caso do Brasil, deveríamos acrescentar mais um atributo indispensável para o sucesso: sermos mais sábios.

Como na gestão empresarial.

Refiro-me ao nosso produto futebol. Antigamente Pelé e o nosso “jogo bonito” deixavam estatelados adversários que nunca nos haviam enfrentado. Pelé dava chapéu em sueco e em seguida fazia gol. Garrincha criava joões pelo mundo afora, porque nenhum beque russo acreditava que ele fosse sair da marcação sempre pela direita, com as duas pernas tortas para o lado esquerdo.
Não havia televisão, os times eram mistérios uns para os outros até à hora do jogo. Principalmente, para os europeus, equipes de lugares distantes e exóticos – como o Brasil.

Esse tempo se foi e hoje as câmeras onipresentes levam para o mundo, via TV e internet, jogos, entrevistas e notícias de todos os cantos. O resultado é que agora todos os outros times sabem perfeitamente como nos comportamos em campo, qual o estilo de cada jogador nosso, que tipo de manobra cada um deles gosta de fazer. 
Por um lado, passaram a incorporar características que eram só nossas; em contrapartida, também aprenderam a se defender de nós. Ou seja, o talento individual deixou de ser um forte atributo exclusivo do nosso produto e virou commodity. Por isso, para tristeza dos nossos comentaristas esportivos, não mais podemos nos gabar de ter "o melhor futebol do mundo". Apanhamos até do ex-tradicional cliente México.

É aí que entra, a meu ver, a necessidade de nos tornarmos mais sábios – além de mais rápidos, mais altos e mais fortes – se quisermos aprimorar nosso produto e alcançar nas próximas Olimpíadas resultados não tão medíocres.
Por que não pensar, por exemplo, na hipótese de entregar a seleção de futebol ao José Roberto Guimarães, técnico do vôlei feminino, o único brasileiro que é tri-campeão olímpico, com três medalhas de ouro, a primeira delas conquistada com o time masculino?

Alguma característica diferencial importante ele deve ter, para haver alcançado essa penca de triunfos – fora outros títulos internacionais. Seria o caso de sermos criativos e, pensando fora da caixa, entregarmos essa apática e modorrenta seleção brasileira de futebol a um gestor vencedor como o José Roberto, com poder executivo real, dando-lhe um assistente técnico que conheça mais de perto as mumunhas do futebol? Ou devemos continuar na velha batida, deixando o Mano mesmo lá, ou então trocando-o por outra das figurinhas carimbadas de sempre e no mesmo modelito tradicional?
Ary Graça, presidente da CBV-Confederação Brasileira de Vôlei, indica mais um caminho que deveríamos seguir, se fôssemos mais sábios. A gestão da CBF em estilo empresarial. Quem alcança as metas ganha bônus. Quem não as atinge está fora.

Ou será que esse choque de inovação e profissionalismo é demais para as nossas cabecinhas abafadas por cartolas e vamos continuar sofrendo de mais-do-mesmo, maltratando nosso produto que já foi excelente e transformando em curtição de masoquismo o ato de assistir ao futebol da seleção?

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Prefeitura e empresa privada fazem música

A CCR AutoBAn, que administra o Sistema Anhanguera-Bandeirantes e rodovias no Rio de Janeiro e Paraná, além de ser acionista da Controlar e da concessionária responsável pela Linha Amarela do Metrô de São Paulo, patrocina a Orquestra Sinfônica de Limeira, que apresentará na próxima quinta-feira um concerto em homenagem ao grupo "Queen", com músicas criadas por Freddie Mercury e sua turma. A Sinfônica é gerida pela Secretaria de Cultura da Prefeitura municipal e pela Sociedade Pró-Sinfônica de Limeira.

No concerto, o Coro da orquestra, com cerca de 40 vozes, interpretará várias das canções, como Save me, Somebody to love, Radio Ga-Ga e We are the champions. Regida pelo maestro Rodrigo Müller, a orquestra será enriquecida com instrumentos que geralmente não integram uma sinfônica: guitarra, violão, teclado e bateria.

O concerto será no dia 16 de Agosto, às 20h30, no Teatro Vitória, em Limeira, onde os ingressos estão à venda por R$10 (inteira) e R$5 (meia). Mais informações no site www.sinfonicadelimeira.com ou em oslimeira@yahoo.com.br .





quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Prova dos Dez

Num texto anterior elenquei algumas vinhetas que demonstram de que forma o investimento sistemático no bom relacionamento com a imprensa ajuda concretamente uma empresa e suas marcas a aprimorar sua imagem junto à opinião pública, inclusive aos olhos de instituições financeiras, fornecedores, acionistas e todos os demais stakeholders.

Mas vamos a um pequeno teste para avaliar se o investimento no                 relacionamento com a mídia efetivamente agrega valor a empresas e marcas. Responda:

1.   Onde você prefere trabalhar: em uma empresa mencionada    
      regularmente e de forma positiva em jornais e revistas, ou em 
      uma companhia pouco conhecida?

     2.      De que tipo de empresa você compraria ações: de uma cujas 
      realizações e produtos são divulgados com alguma freqüência pela
      imprensa, ou de outra, com a qual isso não acontece?

3.    Qual produto você prefere adquirir: o de marca conhecida e respeitada,
     ou seu concorrente pouco divulgado?

4.    Sendo você um político que deseja atrair investimentos para sua região,
     prefere que ali se instale uma empresa conhecida, proprietária de
     marcas famosas, ou outra, que poucos conhecem?

5.   Se você é um legislador ou governante, sente-se mais seguro
      negociando com uma empresa de perfil aberto e que mantém
      bom relacionamento com a imprensa, ou com uma firma que não possui
      essas características?

6.    Qual destas empresas terá melhor diálogo com o presidente da 
     Comissão de Valores Mobiliários e com as autoridades do mercado
     financeiro: a companhia transparente, que com freqüência fala à mídia
     sobre seu despenho e demonstra ter boa governança corporativa, ou
     a que se oculta?

7.   Que tipo de empresa merecerá mais boa vontade da comunidade em
     que opera: a que participa ativamente da vida do local, divulgando
     pela mídia essas e suas demais realizações, ou outra, pouco
     participativa e pouco conhecida?

8.   A seus olhos, qual empresa terá melhor reputação e imagem: a que,
    quando é vitima de uma crise institucional, toma a iniciativa de ir à
    imprensa para dar explicações e informações, ou uma companhia que,
    acuada por essa espécie de problema, se recusa a falar com os
    jornalistas e, quando mencionada nos jornais, é sempre como
    “procurada, a empresa não quis pronunciar-se”?

9.   Se você fosse ecologista, para com que tipo de empresa teria
    disposição mais favorável: aquela que toma todas as
    providências conservacionistas necessárias e divulga esse fato pela mídia,
    ou uma companhia cuja atuação no campo ambiental é no mínimo
    desconhecida?

10. Qual o perfil de empresa que tem maior probabilidade de ser vítima
     de uma greve: a que se relaciona regularmente e negocia de forma
     profícua com as lideranças sindicais, divulgando pela imprensa suas
     posturas e posições, ou a companhia fechada à opinião publica, que só
     se aproxima dos sindicatos de trabalhadores nas épocas de dissídio
     e nunca dá esclarecimentos aos jornalistas sobre suas propostas?

Alguma dúvida?

Prova dos Dez

Num texto anterior elenquei algumas vinhetas que demonstram de que forma o investimento sistemático no bom relacionamento com a imprensa ajuda concretamente uma empresa e suas marcas a aprimorar sua imagem junto à opinião pública, inclusive aos olhos de instituições financeiras, fornecedores, acionistas e todos os demais stakeholders.

Mas vamos a um pequeno teste para avaliar se o investimento no relacionamento com a mídia efetivamente agrega valor a empresas e marcas. Responda:

1.   Onde você prefere trabalhar: em uma empresa mencionada regularmente e de forma positiva em jornais e revistas, ou em uma companhia pouco conhecida?

2.   De que tipo de empresa você compraria ações: de uma cujas realizações e produtos são divulgados com alguma freqüência pela imprensa, ou de outra, com a qual isso não acontece?

3.   Qual produto você prefere adquirir: o de marca conhecida e respeitada, ou seu concorrente pouco divulgado?

4.   Sendo você um político que deseja atrair investimentos para sua região, prefere que ali se instale uma empresa conhecida, proprietária de marcas famosas, ou outra, que poucos conhecem?

5.   Se você é um legislador ou governante, sente-se mais seguro negociando com uma empresa de perfil aberto e que mantém bom relacionamento com a imprensa, ou com uma firma que não possui essas características?

6.   Qual destas empresas terá melhor diálogo com o presidente da Comissão de Valores Mobiliários e com as autoridades do mercado financeiro: a companhia transparente, que com freqüência fala à mídia sobre seu despenho e demonstra ter boa governança corporativa, ou a que se oculta?

7.   Que tipo de empresa merecerá mais boa vontade da comunidade em que opera: a que participa ativamente da vida do local, divulgando pela mídia essas e suas demais realizações, ou outra, pouco participativa e pouco conhecida?

8.   A seus olhos, qual empresa terá melhor reputação e imagem: a que, quando é vitima de uma crise institucional, toma a iniciativa de ir à imprensa para dar explicações e informações, ou uma companhia que, acuada por essa espécie de problema, se recusa a falar com os jornalistas e, quando mencionada nos jornais, é sempre como “procurada, a empresa não quis pronunciar-se”?

9.   Se você fosse ecologista, para com que tipo de empresa teria disposição mais favorável: aquela que toma todas as providências conservacionistas necessárias e divulga esse fato pela mídia, ou uma companhia cuja atuação no campo ambiental é no mínimo desconhecida?

10. Qual o perfil de empresa que tem maior probabilidade de ser vítima de uma greve: a que se relaciona regularmente e negocia de forma profícua com as lideranças sindicais, divulgando pela imprensa suas posturas e posições, ou a companhia fechada à opinião publica, que só se aproxima dos sindicatos de trabalhadores nas épocas de dissídio e nunca dá esclarecimentos aos jornalistas sobre suas propostas?

Alguma dúvida?


domingo, 5 de agosto de 2012

Imagem sustentável

Um reforço valioso a esse texto anterior sobre a agregação de valor a empresas e marcas, proporcionada pela divulgação jornalística, está no caderno especial Verde na Prática inserido na última edição da revista Imprensa (Agosto/12, no. 281).

Nesse caderno uma auditoria de imagem feita pela PR Newswire junto às principais revistas e jornais de informação geral e de negócios do Brasil mostra quais são as cem empresas com maior prestígio na imprensa, pelo prisma da sustentabilidade sócio-econômica e ambiental, graças a seu trabalho de informação a stakeholders e diálogo fluente com os jornalistas.

Entre as mais de 800 empresas cujos nomes, segundo a revista, apareceram na pesquisa, a Natura se destaca em primeiro lugar, subindo da 15a. posição alcançada em igual trabalho feito no ano passado. Na lista das cem primeiras, apenas uma, a Unilever, se manteve na mesma quinta posição obtida em 2011; outras 20 subiram no ranking e 25 cairam.

Evidentemente as que melhoraram de posição o devem ao aumento de investimentos em questões ligadas à sustentabilidade e/ou a sua melhor divulgação jornalística - e as que recuaram devem debitar o fato a sua menor dedicação a esses quesitos. Mas o que mais me chamou a atenção foi o grande número de empresas que aparecem pela primeira vez nessa lista: 54 nomes, mais de metade das cem primeiras.

Essa constatação provavelmente indica que uma crescente parcela de empresas percebe que atuar segundo os preceitos da sustentabilidade; e que divulgar essa atitude junto a seus públicos interessados e junto à grande imprensa nacional efetivamente as beneficia e agrega valor a seu nome e a suas marcas.



sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Agregando valor com a imprensa

Graças ao grande avanço da gestão empresarial no Brasil ninguém mais duvida de que o bom relacionamento com a mídia não só é indispensável, como efetivamente agrega valor às empresas e marcas.

Mas por que isso acontece e de que forma esse investimento produz incremento ao valor das companhias? Primeiramente vamos raciocinar pela ótica da defesa institucional da imagem da empresa.

O avanço da democracia exige que pessoas, entidades, órgãos públicos e empresas se exponham cada vez mais ao julgamento do publico. E a mídia é fundamental nesse processo.

O crescimento exponencial das comunicações, que amplia todas as liberdades, também potencializa o papel da mídia: TV, radio, jornais, revistas, blogs, websites e o que mais surgir.

A empresa que investe em Relações Públicas e no relacionamento com a mídia estará preparada, com normas e procedimentos, para enfrentar as questões e emergências de comunicação jornalística no caso de crises institucionais

Seus executivos também estarão pessoalmente preparados. E essa preparação pessoal – mediante workshops de media training, por exemplo – é da maior importância, porque nenhuma empresa tem voz própria. Elas só falam pelas bocas de seus executivos, nem sempre donos de talento inato para fazer pronunciamentos públicos, dar entrevistas e suportar a pressão de uma entrevista coletiva no ambiente constrangedor de uma crise de imagem institucional da empresa.

Investir no relacionamento com a mídia ajuda também a evitar ou combater boatos. A divulgação sistemática dos fatos relevantes da vida da empresa e suas marcas não só permite que a opinião pública e os jornalistas as conheçam – podendo, assim, construir uma muralha de credibilidade que impeça que qualquer boato prospere – mas também cria uma interface permanente com a imprensa, que facilita o diálogo e os esclarecimentos.

O resultado publicado das entrevistas dos executivos da empresa será melhor se eles receberem treinamento para isso (media training). Preparando previamente suas entrevistas, prevendo as perguntas mais incômodas, elencando as principais mensagens que pretendem transmitir, conhecendo as técnicas de perguntas e respostas, suas entrevistas serão mais eficazes sob o aspecto do interesse da empresa e do próprio perfil público do executivo.

Quando a empresa necessitar se relacionar mais intensamente com os jornalistas, os canais de comunicação com eles estarão azeitados e facilmente utilizáveis se a firma investir permanentemente no relacionamento com a imprensa.

Sempre que necessitar recorrer aos jornalistas a empresa terá possibilidade de acesso em clima cordial, graças à credibilidade construída ao longo do tempo em que ela investe nesse relacionamento.

Passando da defensiva à ofensiva, vejamos alguns aspectos em que a empresa poderá apoiar-se na imprensa para promover pró-ativamente sua reputação institucional e a de suas marcas.

Com a crescente importância da boa governança corporativa para que a empresa possua imagem favorável, a divulgação jornalística e a abertura da empresa para prestar esclarecimentos à imprensa são de grande valia para demonstrar à opinião publica a transparência da gestão.

O investimento em relações com a mídia também facilita a divulgação de fatos positivos da vida de uma empresa – novos investimentos, fábricas, iniciativas negociais, atividades de preservação ambiental etc.

A divulgação das mensagens e posicionamentos institucionais de uma empresa é igualmente favorecida quando ela dispõe de relação permanente e regular com os jornalistas, tornando mais fácil recorrer à imprensa para dar a público suas opiniões sobre medidas governamentais, circunstâncias de mercado etc.

Também a divulgação jornalística de produtos, serviços e suas características ganha maiores possibilidades mediante o investimento permanente no relacionamento com a mídia. Evidentemente não se cogita de substituir com noticias a publicidade paga, mas sim de potencializar seus efeitos mediante o “endosso” do interesse jornalístico pelo novo produto ou serviço.

Ao divulgar jornalisticamente a si própria e a suas marcas, uma empresa reforça sua reputação e imagem institucional, ampliando a atração que exerce sobre os melhores talentos do mercado, a fim de aprimorar seus recursos humanos.

Essas são algumas vinhetas que demonstram de que forma o investimento sistemático no relacionamento com a imprensa ajuda uma empresa e suas marcas a aprimorar sua imagem junto à opinião pública, inclusive aos olhos de instituições financeiras, fornecedores, acionistas e todos os demais stakeholders.

Num próximo post vamos fazer um pequeno teste para por à prova essa tese.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Bola quicando na frente do celular

Quando postei esse comentário anterior, sobre a necessidade de imposição de metas de comunicação institucional para as empresas prestadoras de serviço de caráter público, recebi algumas críticas, entre as quais a da Flávia Sekles, no sentido de que melhor seria os consumidores tomarem a iniciativa de cobrar essas informações, do que o governo regular as empresas.

De lá para cá também houve algumas manifestações públicas de empresas de telefonia. Mas foram manifestações de ordem publicitária e cosmética. Uma delas, ilustrada pela linda Fernanda Lima. Outra, com o presidente do Conselho Manoel Horácio. Personagens marcantes. Mas meros monólogos. E de conteúdo sempre vago, com expressões-clichês tipo "compromisso com o Brasil", "investimento de vários milhões de reais" etc.

De informação específica, que é o que interessa, nada. Quais serão, efetivamente, as melhoras no serviço? E até que data isso será feito? Por que não foi feito antes que o governo desse um soco na mesa? Coisas assim, básicas, que o consumidor continua sem saber - por isso, claro, condena as empresas.

Meu real objetivo, quando publiquei aquele texto anterior, era levantar uma bola quicando na frente do gol, para que as empresas - todas, algumas, ou uma delas pelo menos - percebessem a ótima oportunidade que se coloca para que elas próprias tomem a iniciativa de dar informações concretas e sistemáticas à sociedade, sem esperar que o governo o exija.

No mínimo a empresa que adotasse essa estratégia estaria, a um tempo, saltando à frente dos concorrentes em termos de reputação e imagem de marca; tornando-se simpática aos órgãos governamentais de regulamentação, ao mostrar-se ativamente disposta a melhorar seus serviços; ampliando seu capital de confiabilidade junto aos seus clientes atuais; abraçando maior fatia de clientes futuros; e tornando-se referência como fonte confiável junto à imprensa.

Pelo jeito, eu estava sendo idealista demais. Mas ainda há tempo. A bola continua quicando.

domingo, 22 de julho de 2012

Transparência e comunicação, dever empresarial de quem fornece serviços públicos

O artigo de hoje do Ethevaldo Siqueira no Estadão (Uma palavra à presidente) reforçou um pensamento que eu vinha ruminando esses dias, em face da recente punição da ANATEL às operadoras de celular, proibindo-as de vender novas assinaturas enquanto não melhorarem seus serviços.

Sim, parece haver concordância geral de que o governo deve estabelecer metas de ampliação de cobertura, melhora do atendimento, investimentos em tecnologia e infraestrutura etc., a serem cumpridas pelas empresas concessionárias de serviços públicos. Não só da telefonia celular, mas de todos os serviços desse tipo que o governo privatizou, concedeu ou permite.

Seguro-saúde, telefonia fixa e celular, rodovias, serviços financeiros, educação, saúde pública, previdência, rodovias, energia, transportes, segurança etc., todos esses serviços de caráter público prestados por empresas privadas, precisam ter metas de operação definidas pelo governo e o cumprimento desses objetivos tem de ser assegurado pela fiscalização da autoridade governamental.

O que me ocorre é que uma dessas metas deveria estabelecer o grau de transparência e comunicação que essas empresas devem ter com a população. Patrocinar shows artísticos, a publicação de livros, a produção de obras cinematográficas - iniciativas culturais, enfim, com ou sem apoio da renúncia fiscal proporcionada por leis federais e estaduais - não contam nesse quesito. São ações válidas, mas ligadas ao interesse reputacional e/ou comercial das empresas. Não ampliam seu grau de transparência operacional, accountability e comunicação sobre seus negócios com a população e sobre a qualidade dos serviços que lhe prestam.

Na minha visão, além de exigir o cumprimento de metas operacionais ligadas à melhora de seus serviços, cujo cumprimento é fiscalizado apenas por agências e órgãos governamentais, o governo deveria convocar à participação o mais eficaz e econômico de todos os fiscais, que é a população.

Nesse sentido, deveria determinar que as empresas que prestam serviços de caráter público (não suas associações setoriais, mas empresa por empresa individualmente) também precisam, por exemplo: a) divulgar em seus sites, online, diaria ou semanalmente - com números, não apenas com palavras -seus indicadores fundamentais, como melhora e ampliação de cobertura e serviços, redução de custos e de emissões, investimentos etc.; b) pelo menos a cada trimestre ou semestre, publicar em seus sites e em anúncios publicitários um "balanço social de prestação de serviços", com seus indicadores fundamentais de progresso - e de problemas também - nessa missão; c) promover entrevistas coletivas à imprensa, a cada trimestre, quadrimestre ou semestre, em que devem abrir todos esses indicadores para os jornalistas e seus principais executivos devem abrir-se ao questionamento de todo e qualquer dado e serviço de sua responsabilidade, dando respostas com dados concretos; d) promover audiências públicas, talvez anuais, sobre os serviços que prestam.

Aposto que, com a imposição de tais metas de transparência e comunicação institucional, todos esses serviços de caráter público que são prestados por empresas privadas irão melhorar rapida e radicalmente.

Big Brother chegou?

Conheci há tempos o francês que presidia a Fundação Fredrik Rosing Bull, cujo nome homenageia um talentoso engenheiro norueguês que nasceu em 1882 e foi pioneiro no desenvolvimento tecnológico da Europa. Essa fundação foi criada pela Bull, empresa também batizada em homenagem a esse engenheiro, líder francesa do desenvolvimento da tecnologia digital, que atualmente, como Groupe Bull, atua em uma centena de países, inclusive o Brasil.

Na minha conversa com o presidente dessa Fundação – que estuda as conseqüências econômicas, sociais e humanas do emprego generalizado da informática – surpreendi-me quando ele disse que sua entidade era contrária à identificação das pessoas, pelo Estado, com um número único para cada indivíduo (RG, CPF, carteira de motorista, título de eleitor etc., todos com o mesmo número), coisa que, na minha santa ignorância, parecia lógica, eficiente, racional e facilitadora da vida das pessoas.
Essa conversa e a minha ignara perplexidade aconteceram há quarenta anos.

Dando um fast-forward para os dias de hoje, acabo de ler um livro assustador (infelizmente ainda não publicado em português) que me recordou esse episódio. Chama-se Dying Light(*), do jornalista inglês Henry Porter, que vem-se dedicando à luta pelos direitos humanos, liberdades civis e de expressão na Grã Bretanha. Publicada em 2009, a obra veio à luz, por coincidência, exatamente 60 anos depois da primeira edição de 1984, do também inglês George Orwell, ficção que previa a instalação de uma ditadura mundial em que cada cidadão era espionado e todos os detalhes de sua vida absolutamente controlados pelo governo (o Big Brother), por meio de um sistema de câmeras e comunicação eletrônica.
Na base do raciocínio do autor de Dying Light está a constatação de que, se por um lado esses sistemas proporcionam os benefícios de melhores serviços públicos, maior segurança e capacidade de prevenção de atividades criminosas, ao mesmo tempo apresentam o grande risco de colocar nas mãos de quem exerce o governo o potencial para asfixiar a opinião pública e destruir a base da democracia, que é o poder exercido pelo povo e para o povo – não por e para quem possui os poderes do Estado.

A partir do contexto real de prevenção e combate ao terrorismo que se implantou nos mandatos de George W. Bush nos EUA e Tony Blair na Grã Bretanha, o livro de Henry Porter pinta uma situação imaginária em que o primeiro-ministro inglês prepara simplesmente a instalação de uma ditadura, graças a sistemas de comunicação e informação que lhe propiciam o controle absoluto e total da vida e de todos os atos (inclusive atitudes políticas) dos cidadãos.
 E o mais grave é que, apesar de ser obra de ficção, como 1984, o livro cita legislação real em vigor hoje na Inglaterra – e, pior ainda, assinala que todas essas leis restritivas à liberdade individual foram tranquilamente aprovadas e implantadas, com pouca discussão, debate ou reação da complacente e acomodada opinião pública, interessada apenas na sua rotina da vida diária e – como eu, quarenta anos atrás – sem levar em conta o risco político embutido nessas leis.

Segundo Porter, num comentário autoral publicado como posfácio ao livro, “os britânicos passaram a ser os cidadãos mais estritamente controlados do Ocidente, talvez de todo o mundo. Temos mais câmeras nas ruas que a soma de aparelhos instalados em todo o resto da Europa. Essas câmeras infestam não só as ruas e os shopping centers, mas também restaurantes, cinemas e bares por toda parte, que fotografam a cabeça e os ombros de cada individuo que neles entra.”
E prossegue: “As pessoas são vigiadas o tempo todo. Ao viajar pelas rodovias todos são monitorados por câmeras que lêem as placas dos carros e os dados de cada viagem são armazenados por cinco anos.” E por aí vai.

Tudo abençoado por legislação vigente no país. O governo, segundo Porter, tem o direito de acessar os dados telefônicos e online de todas as pessoas, acompanhar e registrar a vida de seus filhos num banco de dados nacional e exigir mais de 50 informações de cada cidadão que deseja sair de seu próprio país. Transações individuais, dados sobre a saúde de cada um, tudo armazenado para sempre em bancos de dados.
Um diploma legal que merece especial atenção em Dying Light é o Civil Contingencies Act 2004 (Lei de Contingências Civis, de 2004), que, segundo Porter, “permite que o primeiro-ministro, um ministro ou o líder do governo na Câmara desmantele da noite para o dia a democracia e o império da lei”. Citando outros autores, ele comenta que essa lei permite ao governo a suspensão de viagens, ocupação de propriedades, evacuação forçada, tribunais especiais e detenção e prisão arbitrárias.

Seria importante que alguma editora publicasse esse livro em português no Brasil. Deveriam lê-lo todos os que, no governo e fora dele, se preocupam com a manutenção das nossas liberdades individuais, da liberdade de expressão e de imprensa, no contexto maior dos direitos humanos, em face do inapelável avanço dos recursos eletrônicos, que, por sua própria natureza, tendem a se tornar cada vez mais invasivos e controladores. Da mesma forma que as burocracias.

Também deveriam ler esse inquietante livro os que defendem a unificação do número de identificação dos cidadãos; os que se opõem ou resistem à Lei de Acesso à Informação Pública, que entrou em vigor no Brasil em Novembro último; os que escancaram abundantes informações e fotos de sua vida e de seus filhos, outros parentes e amigos nos Facebooks da vida; os que criam sistemas de “mineração de dados” que permitem às empresas prever o comportamento, preferências e tendências de consumo dos cidadãos; os que possibilitam que a moça da central de telemarketing que nunca me viu na vida me ligue à noite, em casa, me chamando pelo nome, para vender algum produto.

É cada vez mais fácil usar todos esses mesmos recursos que aumentam nossa eficiência e produtividade – e o muito mais que vem por aí na tecnologia digital – também para nos invadir, nos controlar, nos manobrar e nos dominar. 

(*) Originalmente lançado pela editora britânica Orion Books, o livro foi publicado também em edição norte-americana pela Atlantic Monthly Press, com o título The Bell Ringers. Ambas as edições podem ser adquiridas na Amazon, em forma impressa ou eletrônica.