quarta-feira, 30 de maio de 2018

Uma Aula Geral, sobre Rodas Paradas

A greve dos caminhoneiros é uma verdadeira aula magna sobre vários temas, para diversas categorias de alunos. E, como não há aulas grátis, está saindo cara para todos. Empresários e executivos, políticos, jornalistas, acadêmicos, líderes de sindicatos e entidades, eleitores, motoristas – enfim, a população inteira.

A primeira lição foi a nova confirmação do poder penetrante e abrangente das redes sociais, por meio das quais os caminhoneiros articularam e mantiveram o movimento, neste enorme país inteiro, mesmo após um primeiro acordo entre governo e representantes de entidades do setor. Foi como se dissessem “Quem se lixa para essa gente fazendo acordo em Brasilia? Nós, aqui na base, é que mandamos”. Falaram entre si por aplicativo e resolveram continuar parados, do Piauí ao Sul do Brasil.

Foi mais uma demonstração da força e intensidade com que as redes sociais, na prática incontroláveis, estão invadindo a política, como começou a ser poderosamente comprovado pela “Primavera Árabe”, em 2011 e nos últimos tempos é escancarado diariamente pela tuitagem de Donald Trump e por outras manifestações semelhantes de todo tipo, pelo mundo e no Brasil. 

Como as redes propiciam a atuação direta das bases, dispensando representantes, provavelmente a população inteira pôde entender – pelo menos sentir – que essa auto-gestão está ao alcance de todos.  Ou seja: se os caminhoneiros podem agir assim e encantoar o governo, nós, povo, também podemos. Não precisamos ser representados por políticos, dirigentes de sindicatos e de associações.

O que abre caminho para, por exemplo, uma gigantesca onda de desobediência civil da população brasileira – quem sabe uma revolta contra impostos, por exemplo, como foi a Tea Party, em 1773, iniciando em Boston o processo da revolução americana que desaguou na independência dos Estados Unidos.

Empresas foram forçadas pela greve a dispensar funcionários e paralisar a produção, por falta de matéria prima, impossibilidade de escoamento de produtos e até incapacidade de alimentação de porcos e frangos. O que significa que, enquanto não construirmos uma rede de transporte utilizando ferrovias e hidrovias, as empresas seguramente terão de esquecer um pouco o “just in time” e se planejar para futuras ações similares dos caminhoneiros e de outros grupos. Porque, agora que eles viram que essa tática funciona, ficou mais fácil repetir a dose sempre que se sentirem prejudicados de alguma forma.

Cientistas políticos, jornalistas, comentaristas, editorialistas também devem estar-se indagando, imagino, se, afinal, a nossa democracia é do povo, pelo povo e para o povo, como pregou Abraham Lincoln, ou dos caminhoneiros, pelos caminhoneiros e para os caminhoneiros. Porque, no momento em que eles se recusam a encerrar o movimento enquanto o atendimento de suas reivindicações não fosse publicado no Diário Oficial – como acabou sendo, imediatamente e em edição extra – os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário foram efetivamente arrastados sobre o asfalto pelas carretas.

Finalmente, uma lição para todos nós, a sociedade nacional, é que, para longe de golpes militares ou civis – como pregam alguns primatas de internet ou de passeata – precisamos perseverar na edificação da democracia. O diabo é que democracia se constrói aos trancos e barrancos mesmo, não é um  processo tranquilinho – e toma muito tempo. Todo o tempo. E o Brasil demorou muito para começar. Estamos vivendo o mais longo período de democracia e total liberdade de pensamento e expressão de nossa História. Mas são apenas 30, dos 518 anos desde Cabral. Portanto temos pela frente a proverbial tarefa hercúlea.  Esperemos que um upgrade da política e dos políticos ocorra nesse processo e em virtude dele.

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