A greve dos caminhoneiros é uma verdadeira aula magna sobre vários
temas, para diversas categorias de alunos. E, como não há aulas grátis, está
saindo cara para todos. Empresários e executivos, políticos, jornalistas, acadêmicos,
líderes de sindicatos e entidades, eleitores, motoristas – enfim, a população inteira.
A primeira lição foi a nova confirmação do poder penetrante e abrangente das redes
sociais, por meio das quais os caminhoneiros articularam e mantiveram o
movimento, neste enorme país inteiro, mesmo após um primeiro acordo entre
governo e representantes de entidades do setor. Foi como se dissessem “Quem se
lixa para essa gente fazendo acordo em Brasilia? Nós, aqui na base, é que
mandamos”. Falaram entre si por aplicativo e resolveram continuar parados, do
Piauí ao Sul do Brasil.
Foi mais uma demonstração da força e intensidade com que as redes
sociais, na prática incontroláveis, estão invadindo a política, como começou a
ser poderosamente comprovado pela “Primavera Árabe”, em 2011 e nos últimos
tempos é escancarado diariamente pela tuitagem de Donald Trump e por outras
manifestações semelhantes de todo tipo, pelo mundo e no Brasil.
Como as redes propiciam a atuação direta das bases, dispensando representantes, provavelmente a população inteira pôde entender – pelo menos sentir – que essa auto-gestão está ao alcance de todos. Ou seja: se os caminhoneiros podem agir assim e encantoar o governo, nós, povo, também podemos. Não precisamos ser representados por políticos, dirigentes de sindicatos e de associações.
Como as redes propiciam a atuação direta das bases, dispensando representantes, provavelmente a população inteira pôde entender – pelo menos sentir – que essa auto-gestão está ao alcance de todos. Ou seja: se os caminhoneiros podem agir assim e encantoar o governo, nós, povo, também podemos. Não precisamos ser representados por políticos, dirigentes de sindicatos e de associações.
O que abre caminho para, por exemplo, uma gigantesca onda de desobediência
civil da população brasileira – quem sabe uma revolta contra impostos, por
exemplo, como foi a Tea Party, em 1773, iniciando em Boston o processo da revolução
americana que desaguou na independência dos Estados Unidos.
Empresas foram forçadas pela greve a dispensar funcionários e paralisar a
produção, por falta de matéria prima, impossibilidade de escoamento de produtos
e até incapacidade de alimentação de porcos e frangos. O que significa que, enquanto
não construirmos uma rede de transporte utilizando ferrovias e hidrovias, as
empresas seguramente terão de esquecer um pouco o “just in time” e se planejar
para futuras ações similares dos caminhoneiros e de outros grupos. Porque, agora
que eles viram que essa tática funciona, ficou mais fácil repetir a dose sempre
que se sentirem prejudicados de alguma forma.
Cientistas políticos, jornalistas, comentaristas, editorialistas também
devem estar-se indagando, imagino, se, afinal, a nossa democracia é do povo,
pelo povo e para o povo, como pregou Abraham Lincoln, ou dos caminhoneiros,
pelos caminhoneiros e para os caminhoneiros. Porque, no momento em que eles se
recusam a encerrar o movimento enquanto o atendimento de suas reivindicações
não fosse publicado no Diário Oficial – como acabou sendo, imediatamente e em edição
extra – os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário foram efetivamente
arrastados sobre o asfalto pelas carretas.
Finalmente, uma lição para todos nós, a sociedade nacional, é que, para
longe de golpes militares ou civis – como pregam alguns primatas de internet ou
de passeata – precisamos perseverar na edificação da democracia. O diabo é que
democracia se constrói aos trancos e barrancos mesmo, não é um processo tranquilinho – e toma muito tempo. Todo
o tempo. E o Brasil demorou muito para começar. Estamos vivendo o mais longo
período de democracia e total liberdade de pensamento e expressão de nossa
História. Mas são apenas 30, dos 518 anos desde Cabral. Portanto temos pela frente a
proverbial tarefa hercúlea. Esperemos
que um upgrade da política e dos
políticos ocorra nesse processo e em virtude dele.
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