quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Pior soa melhor?

Anos atrás, morando em Londres, conheci um casal de intelectuais portugueses que lá também viviam, auto-exilados de seu país, dominado então pela ditadura obscurantista de Antonio de Oliveira Salazar, eternizado no poder por 36 anos, de 1932 a 1968.

Como convivíamos bastante, um dia comentei com eles que lhes invejava a beleza de seu falar, porque os portugueses, disse eu, usavam o dicionário inteiro, enquanto nós, brasileiros, abastardávamos muito nossa língua do dia-a-dia e empregávamos um vocabulário muito mais pobre.
A resposta que recebi me fez pensar, inclusive por seu significado político: “Pode ser – retrucou meu amigo luso – mas vocês têm no Brasil uma língua viva, que cria palavras novas, enquanto a língua de Portugal está morta, parada no tempo.”

Infelizmente, porém, esse elogio não se justifica muito no nosso jornalismo diário atual. Uma coisa que me incomoda, por exemplo, é o uso de palavras dotadas de forte carga semântica pejorativa, em situações que não as justificam. No futebol um atacante de estatura elevada é sempre grandalhão, adjetivo que não significa somente “alto”, mas também meio desengonçado. Ainda no jornalismo futebolístico, um time que tem jogo rápido, ou atletas que exploram sua velocidade, fazem sempre correria, um termo que também sugere gasto vão e inútil de energia.
Com incômoda frequência um documento extenso vira calhamaço e grande quantidade de números e cifras torna-se, nessa língua rasa e pobre, uma numeralha. Palavras depreciativas cuja carga semântica negativa seus redatores, ou desconhecem, ou então julgam “inteligente” utilizar. Por esse cínico código, a Bíblia facilmente poderia virar calhamaço e as equações do último teorema de Fermat mereceriam ser chamadas de numeralha.

Nas manchetes e textos o dólar nunca apenas cai, ele sempre desaba. Mesmo que seja 0,8%. E uma série de textos, anotações ou relatórios torna-se uma papelada com cansativa assiduidade.
Quase nunca há uma controvérsia. O que sempre existe são polêmicas – o que não é bem a mesma coisa, mas os jornalistas e radialistas, por alguma recôndita razão, parecem achar mais sexy.

E, a julgar pelo número de vezes que a palavra crise aparece no noticiário, a vida, no Brasil e em todo o mundo, é uma tragédia global permanente. Como se todas as desinteligências, mal-entendidos, desacordos, anormalidades, quebras de rotina, deficiências, conflitos e negociações pudessem ser liquidificadas e invariavelmente configurassem uma CRISE.

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