Ela mostra que naquele ano o apoio da população brasileira à democracia desabou de 54% para 45%. Caiu mais que a média de apoio na América Latina. Ou seja, menos de metade da nossa população prefere a democracia a qualquer outra forma de governo. A maioria acha que um governo autoritário pode ser preferível a um democrático, ou então que dá na mesma a democracia ou o autoritarismo.
Vivo hoje, à vista desse fato, Nelson Rodrigues diria que,
além da unanimidade ser burra, a maioria é estúpida. Parece incrível que, numa
nação que foi vítima da opressão de uma ditadura, mais de metade da população
pense que um governo totalitário pode ser melhor que a democracia, ou que tanto
faz.
É por isso que tem tanta importância o trabalho que vem
sendo feito pelo Instituto Vladimir Herzog, com seu projeto “Resistir é
preciso...”, resgatando os jornais e jornalistas que, nas bancas, na
clandestinidade ou no exílio, combateram a ditadura. Em vídeos, livros,
documentários e outras iniciativas, o Instituto insere na História do Brasil e
procura mostrar a todos, principalmente aos mais jovens, qual era a realidade
que vivíamos nos anos de chumbo. Para que não permitamos que isso aconteça de
novo.
Os estúpidos que dispensaram a democracia nessa pesquisa do
Latinobarometro não sabem que, sem democracia:
1.
A imprensa amordaçada não poderia denunciar
corrupção nos governos, nem opinar livremente sobre todos os assuntos;
2.
Um presidente da República rejeitado pela
população não teria sido castigado pelo impeachment;
3.
Um presidente que terminou oito anos de mandato
com apoio de 86% da população, também segundo o Latinobarometro, não poderia
sequer ter sido eleito;
4.
O fim do sigilo eterno de documentos do governo
e a criação da Comissão da Verdade, já em vigor, nem
projetos teriam sido;
5.
O Brasil não viveria o atual desenvolvimento social e
econômico, nem gozaria do respeito que hoje lhe dedicam os outros países;
6.
Nenhuma crítica ao governo seria permitida – por
jornalistas, por sindicalistas, por estudantes, por políticos, ou por quem quer
que fosse;
7.
A corrupção, a incompetência e o desmando de
governantes e funcionários públicos estariam permanentemente acobertados pela
intransparência do poder totalitário;
8.
Estaríamos todos continuamente sob a ameaça
arbitrária de sequestro, prisão, tortura e morte;
9.
Teríamos de tomar cuidado com o que disséssemos
perto de colegas de escola e de trabalho, vizinhos, conhecidos, até parentes,
pois qualquer um poderia nos delatar, em troca de alguma vantagem junto aos
donos do poder;
10.
Ainda existiria um DOPS, com o inacreditável
nome de Departamento de Ordem Política e Social, onde se prendiam pessoas pelo
crime de pensamento e opinião;
11.
Não poderíamos votar porque os mandantes nos
seriam impostos, nem a opinião pública poderia se manifestar.
Com a provável exceção dos estúpidos 55% da população
brasileira que acham que democracia não é indispensável, todos conhecem a frase
de Sir Winston Churchill: ”A democracia é a pior forma de governo, exceto todas as outras
que têm sido tentadas de tempos em tempos." E a de Ulysses Guimarães, que
disse que "A grande
força da democracia é confessar-se falível de imperfeição e impureza, o que não
acontece com os sistemas totalitários, que se autopromovem em perfeitos e
oniscientes para que sejam irresponsáveis e onipotentes."
Só na democracia
é possível criticar até mesmo a própria democracia – e, de Saramago e Bernard
Shaw até ao Marquês de Maricá, há
comentários derrogatórios a ela em suficiente quantidade. Mas eu fico com Goethe: "A democracia
não corre, mas chega segura ao objetivo."
(artigo publicado originalmente na revista EntreLagos, de Brasilia)
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