(a partir de
palestra apresentada
na 3ª Conferência Aberje de Relações Governamentais, em 25
de Agosto de 2015)
Quando olhamos para o panorama atual no Brasil, que expõe empresas
gigantes, envolvidas em mau comportamento confesso – algumas delas até mesmo em
risco real de quebrar – não deveríamos os profissionais de Assuntos
Institucionais, Relações Públicas e Governamentais, Comunicação Empresarial
etc. ir além da burocracia e do dia-a-dia das estratégias, argumentos e
ferramentas rotineiros?
Não estarão as instituições brasileiras subindo um ou
mais degraus na escada de mudança de paradigma – e portanto não deveríamos
também nós elevar o patamar de nossas atividades profissionais, no contexto
maior de uma mudança histórica, para melhor, do quadro institucional do Brasil?
A corrupção começou no Paraíso, com a serpente, Eva e
Adão – e nunca acabará. E no mundo moderno o chamado capitalismo de laços não
desaparecerá totalmente de uma hora para outra.
Mas diversos episódios estão expondo as mazelas de tudo
isso e envolvendo governos e empresas imensas. E, nesse processo, manchando
como nunca antes as imagens dos agentes de governo e de todas as empresas. Porque, ao acompanhar as notícias, muita gente pensa: "Empresários e políticos são todos iguais".
Episódios como os mensalões do PT e dos tucanos, a Lava-a-Jato,
FIFA e CBF, o cartel dos trens (Siemens, Alstom etc.), presidentes da Câmara e
do Senado sob a mira de investigações, corrupção interna na Petrobras e
Eletrobras (na Petrobras, a maior empresa do Brasil!) – e outros casos, fora os
que ainda vão aparecer.
Enquanto isso, de outro lado, o que vemos é um Ministério
Público independente, que praticamente passou a ser o quarto poder e derrubou a
imprensa para quinto. Uma Polícia Federal atuante e autônoma nas investigações,
rastreabilidade pelos computadores, e-mails confiscados, delações premiadas,
acordos de leniência, fim do sigilo dos bancos suíços, o caso das contas no
HSBC no exterior, revelações do Wikileaks, grandes empreiteiros atrás das grades,
Lei Anticorrupção, Lei de Acesso à Informação, liberdade total de imprensa e de
expressão.
Na política, o PSDB sequer consegue ser oposição, aparentemente
por medo do risco de Dilma eventualmente recuperar sua popularidade e também de
ser pego no contrapé pelas investigações. A propósito, é bom lembrar que a lei
que institui a delação premiada – a que, no fundo, se deve o desenrolar de todo esse novelo
– é obra do governo Dilma.
Entre as empresas, por sua vez, além das acusações de
corrupção ativa e passiva que tisnam a reputação de algumas e respingam em
todas, aqui e ali pipocam casos de trabalho similar ao escravo, trabalho
infantil, assédio moral, discriminação de sexo, excessiva pressão por
resultados e por produtividade criando um ambiente desumanamente estressante.
Assistimos à destruição das imagens do governo, de
parlamentares, de empresas gigantes.
E, para quem acha que o Brasil tem o monopólio do
descrédito institucional, vale lembrar que esse mal não atinge apenas empresas
nacionais. O jornalista inglês Andy Robinson publicou há pouco o livro “Um
repórter na montanha mágica”, sobre o Fórum de Davos, em que afirma que a elite
empresarial global concentra uma parcela cada vez maior do patrimônio econômico
mundial, gerando instabilidade e insustentabilidade, enquanto as empresas usam o evento de
Davos para projetar imagem positiva.
O resultado de tudo isso não poderia ser outro, senão a indignação
popular, desencanto, desgosto, pessimismo.
Os que cuidamos da imagem pública das empresas empregamos
palavras de moda, buzz words como accountability, governança, compliance, narrativa,
resiliência. Mas não precisaremos mais que isso?
Não teremos nós, profissionais de Relações
Governamentais, Relações Públicas, Comunicação, que somos a cara política das
empresas, o dever de transcender o feijão com arroz do dia-a-dia, em nome do
melhor interesse delas próprias? Não é nosso dever convencer nossos clientes e empregadores de que um grande esforço conjunto precisa ser feito para resgatar a reputação do ente empresarial no Brasil?
Me ocorre que é necessário um choque institucional na
relação entre empresas e governo e entre empresas e opinião pública, para
recuperar e melhorar a imagem e reputação das empresas. O que essa situação
atual aponta, me parece, é para a necessidade de uma evolução mais radical no
posicionamento institucional das empresas.
Elas precisam ampliar muito sua credibilidade, via
valores elevados e a comunicação estratégica e intensa desses valores. E
também, elemento fundamental, devem implantar internamente sistemas e métodos
que impeçam atos de corrupção – grandes e pequenos.
O reconhecimento desses valores elevados, pela opinião pública,
fará cada vez mais a diferença, para o êxito nas Relações Públicas e Governamentais
– e também no posicionamento institucional das empresas, até no seu Marketing.
Porque parece que a população acha que Chega de Esperteza.
Por isso, o ente empresarial em seu conjunto precisa,
acredito, deixar de se arrastar como um caramujo a reboque da crise e tomar a iniciativa forte
de mostrar um cerne, uma essência, que sejam positivos, institucionalmente
saudáveis.
Não só anonimamente, por trás das siglas de suas associações,
mas como empresas individuais – e também por seus setores e entidades
associativas.
Esse processo deve começar por um exercício interno de
formulação e formalização de valores morais: integridade, anti-corrupção, governança, respeito aos direitos humanos no ambiente de trabalho, promoção social da
comunidade, relacionamento transparente com stakeholders, envolvendo todos os acionistas,
dirigentes, funcionários, terceiros e fornecedores. E divulgar amplamente a
realização desse trabalho.
Publicar seus códigos de ética, seus valores, organizar
eventos de lançamento e divulga-los intensamente, inclusive como matéria paga, internaliza-los
em todos os funcionários (e divulgar esse trabalho de treinamento). Pendurar
nas paredes físicas da empresa, na intranet e nos sites. Deixar claro para todos os funcionários,
publicamente, que é obrigação pautarem sua conduta de acordo com tais valores, fazer a coisa certa todos os dias e o dia todo – e quais as sanções para quem não agir dessa forma.
Promover sessões anuais de treinamento para conscientizar
os novos funcionários e reavivar permanentemente a memória de todos os membros de seu corpo
funcional. Implantar treinamento frequente com casos por intranet, mandatório para todos os funcionários.
Publicar sua politica de Relações Governamentais, entregá-la
impressa a autoridades, parlamentares, seus assessores, imprensa – até exagerar
na divulgação.
Um CNPJ
nada faz. É um papel inerte, como o contrato social, registrado na Junta
Comercial. Quem faz ou deixa de fazer as coisas são as pessoas – acionistas das empresas,
presidentes, diretores e funcionários. CPFs.
Desde
a década de 1970 as únicas empresas do mundo que tinham uma legislação nacional
coibindo a corrupção entre empresas e mandatários e funcionários de governos
eram as americanas, que tinham o FCPA (Foreign Corrupt Practices Act).
Essa
lei dos EUA começou a nascer quando o príncipe Bernhard, marido da Rainha Juliana, da
Holanda, foi flagrado recebendo propina da Lockheed para convencer seu país a comprar
aviões fabricados pela empresa. Grande escândalo, na década de 1970, mas não
foi o único. Surgiu no contexto de uma importante investigação pela SEC (a CVM
americana), que envolveu 400 empresas dos EUA por esse tipo de comportamento e
levou o governo Jimmy Carter a sancionar o FCPA em 1977.
No
começo dos anos 2000 a União Européia, com apoio da OCDE-Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico, apertou os controles sobre isso (daí as
auto-denúncias da Siemens na Alemanha, sobre comportamentos de seus executivos
em anos anteriores – e mais recentemente aqui no Brasil também); as empresas
asiáticas também estão aprimorando seus controles; e, entre nós, a
presidente Dilma Rousseff, em Agosto de 2013, sancionou a Lei 12.846, que
responsabiliza também as pessoas jurídicas pela prática, por seus funcionários,
de atos contra a administração pública nacional ou estrangeira.
Em
nosso País a imbricação entre interesses privados e governo ocorre até antes do
Brasil existir oficialmente. Lembremos que a expedição de Pedro Alvares Cabral
foi um empreendimento particular com suporte financeiro do estado português (e
também a de Cristóvão Colombo, com dinheiro do governo espanhol).
E os
portugueses, logo que chegaram aqui, a primeira coisa que fizeram foi
distribuir propina aos nativos, na forma de colares, espelhinhos, missangas e lantejoulas.
Então
nenhuma dessas denúncias da Lava-a-Jato é surpresa para quem lê jornais. É uma
tradição nacional, que “todo o mundo sempre soube que era assim”.
Por
isso até agora, a rigor, só houve dois fatos surpreendentes para as pessoas
informadas, em todo esse desfile de horrores que temos presenciado:
Primeiro
a própria Lava-a-Jato, sua duração, sua ampliação, seu aprofundamento, a delação
premiada, a atuação do juiz Sérgio Moro, do Ministério Público e da Polícia
Federal, pessoas importantes encarceradas – tudo isso acontece pela primeira
vez nos 515 anos da História do Brasil.
O
segundo fato surpreendente foi o abandono da carreira pela advogada Beatriz
Catta Preta, acuada por ameaças. Imagine... Uma advogada jovem, séria e
discreta, bem-sucedida na profissão, com um trabalho importante, tornando-se
uma profissional famosa, subitamente renuncia a todos os clientes, fecha e
esvazia o escritório, demite todos os funcionários e abandona a carreira. Por
sentir-se amedrontada por ameaças de políticos – ela e a família, com filhos
provavelmente pequenos.
Para
concluir, como já disse, na verdade quem comete todos os atos lícitos ou ilícitos
nas empresas não são os CNPJs, nem os contratos sociais, nem os logotipos. São
pessoas físicas. Mas as empresas, todas elas, são seriamente prejudicadas
institucionalmente – de algumas, até a própria sobrevivência se vê ameçada.
Por
isso o que se precisa agora é uma Revolta dos Logotipos, um choque de
integridade por iniciativa das empresas, dos CNPJs, que envolva profundamente
os acionistas, executivos e funcionários – e com um forte compromisso
institucional público.
Adorei este seu artigo. Você deveria publicá-lo.Eu gostaria muito de ter assistido sua palestra na ABERJE. Da próxima vez, me convide. Enquanto isso, vamos nos encontrar. Grnde abraço. Mário Lima
ResponderExcluirAdorei este seu artigo. Você deveria publicá-lo.Eu gostaria muito de ter assistido sua palestra na ABERJE. Da próxima vez, me convide. Enquanto isso, vamos nos encontrar. Grnde abraço. Mário Lima
ResponderExcluirBrilhante Nemércio, como sempre, brilhante Nogueira. Artigos como o seu reforçam meu otimismo. O ser humano tem saída... E vc aponta muitas. Vamos contribuir para que cada vez mais pessoas pensem assim e direcionem suas ações.
ResponderExcluirImso abrç.
Caríssimo, Nemércio Nogueira, seu pronunciamento brilha! Que ilumine as cabeças daqueles que têm responsabilidade pela comunicação nas organizações, seja sob que rótulo de cargo ou função for. Não por outras razões - as que você tão oportuna e competentemente citou - é que nós, um grupo de relações-públicas professores, criamos o Observatório da Comunicação Institucional. E você bem figura no documentário que apoiamos em 2014, ano do centenário das RP, "1 jornalista, 10 errepês, 100 anos". A ideia de institucionalidade nunca foi forte no país, embora discursos - aqui e ali - afirmem que "temos instituições funcionando". Douglass North, prêmio Nobel de Economia de 1994, pensador institucionalista, nunca foi traduzido e publicado por aqui. Não interessa - ou pelo menos não interessava - à nossa indústria cultural dar vazão a esse tipo de sofisticação que é a institucionalidade e o institucionalismo. Quando O Globo defende o Uber sob o título "... ilegal, e daí?" e demite 400 funcionários (1/4 de jornalistas) na véspera de publicar um anúncio de página inteira que diz "Nunca se leu tanto jornal", alguma coisa 'fora da ordem' clama por raciocínios claros e objetivos como o seu. Parabéns! Manoel Marcondes Machado Neto, diretor-presidente do O.C.I. (www.observatoriodacomunicacao.org.br).
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