A aterradora imagem daquela montanha de lama, detritos e
cadáveres avançando sobre pessoas, veículos e casas em Brumadinho, tudo
arrastando, destruindo e esmagando, ilustrou perfeitamente a horrenda maré de
cretinice, ignorância e obscurantismo que nos soterra dia-a-dia.
Ministra que se diz doutora bíblica põe em dúvida a teoria da
evolução das espécies de Darwin; outra personagem quer que as campanhas de
prevenção da AIDS sejam patrulhadas para que não ofendam as famílias; gigolôs
da internet, com seus robôs, criam o caos do Brexit no Reino Unido e elegem
tipos como Trump e quejandos em diversos países; há quem queira cercear a
palavra de professores em salas de aulas; cantora glorificada em capa da
principal revista de negócios do Brasil alardeia ao mundo que seus flatos são
inodoros desde que se tornou vegetariana; colocar armas nas mãos das pessoas se
transforma em solução para a segurança pública; as asneiras do Big Brother são
a segunda rubrica do site UOL, antes de Esporte e de Notícias; um sujeito chulo,
encafuado no exterior, que se diz filósofo, já foi astrólogo e vende cursinhos
sem pé nem cabeça, inspira falatórios delirantes de nefelibatas que subitamente
viram governantes; inventam-se expressões novas que vir(aliz)am moda: boataria se
torna fake-news e mentira se trasveste de verdade alternativa, pós-verdade e outras
besteiras.
E nós, as vítimas desse lamaçal peçonhento de imbecilidades,
nos debatemos na tentativa de entender como, diabo, iremos – se é que iremos –
sobreviver.
Antes da internet, essas estultices e seus seguidores vegetavam no limbo do anonimato que merecem, porque ninguém com mínimo
bom-senso lhes daria ouvidos. Agora, porém, as redes sociais lhes proporcionam
a ferramenta de que precisavam para emergir rastejando do lodo de suas tocas e
difundir asneiras (quando não atentados contra a sanidade).
A nova elite deixou de ser composta de intelectuais, donos de patrimônio e políticos
respeitáveis e passou a ser constituída por uma nova
categoria: famosos e famosas – a qualquer custo – deixaram de ser adjetivos e
passaram a ser substantivos, até mesmo profissões.
A política, a grande arte da gestão compartilhada da coisa
pública, vê-se dominada por mediocridades que mal conseguem se expressar –
ainda que tivessem o que dizer. Para nós, o único consolo, nesse aspecto, é que
quase nenhum país pode criticar o Brasil; basta lembrar o que fazem Donald
Trump nos EUA e Theresa May no Reino Unido, para calar qualquer americano ou
britânico – e outros primeiromundistas que se cuidem.
Mas e a saída? Onde está a saída? Antes que me tachem de
reacionário ou elitista, repito aqui minha profissão de fé democrática, que
sempre foi e é a crença que me orienta. O problema é que as democracias
clássicas – Grécia, Roma, mesmo a Inglaterra de Churchill e os Estados Unidos
de Lincoln – não davam alto-falantes à totalidade da população. As chamadas classes
dirigentes, ainda que procurassem beneficiar o povo, ou pelo menos a maioria,
não davam ouvidos a todos. Não havia meios de comunicação para que a população inteira
vocalizasse suas opiniões. Hoje há.
Por isso a malta de frustrados, os revoltados anti-isso-ou-aquilo,
os que se julgam vítimas da globalização, os pisoteados pelas desigualdades, os
simplesmente odiosos e os que buscam ser famosos a qualquer preço conseguem,
por meio das redes sociais, expor suas vociferações. E os cafetões da internet,
que se aproveitam desse caldo (de cultura, ou incultura), mineram e exploram a ignorância,
credulidade e ingenuidade desses segmentos sedentos de apoio e suporte
material, oferecendo salvacionismo religioso ou político a varejo.
Como jornalista e profissional de comunicação, lamento
especialmente o empobrecimento da imprensa. Perfeita, claro, ela nunca foi. Mas
sua diversidade, ainda que também eivada de desequilíbrios, permitiu, através
de seguidas décadas e em contínua busca de profissionalismo, que a opinião
pública – a resultante dos embates de visões, interesses e convicções – acabasse por predominar, graças à liberdade
de expressão de todos os agentes.
A triste decadência da imprensa e sua substituição por uma
comunicação populista, rasteira e grosseira subverte e prostitui a democracia, ao criar
uma gigantesca ágora global, onde os que acham que a Terra é plana e os que
acreditam que todos descendemos realmente de Adão e Eva têm tanta voz – ou mais
– quanto os cientistas, os verdadeiros filósofos, os que julgam ter
contribuições substantivas para a melhora da vida das pessoas.
Então, voltando à busca da saída desse pântano venenoso e
avassalador, só recorrendo ao político americano Al Smith, que, em 1933,
afirmou que “Todos os males da democracia se curam com mais democracia”, no que
tem sido ecoado pela OAB, CNBB e outras entidades e pessoas, ao redor do mundo
e ao longo dos anos.
Para nossa desgraça, porém, os processos democráticos
raramente têm efeito imediato ou são eficientes. (Em geral essa celeridade é
apanágio das ditaduras e dos governos fortes, de esquerda ou de direita.) A
democracia evolui sobre rodas quadradas, aos solavancos, recua, se move para os
lados, geralmente em marcha lenta – mas chega lá em razoável harmonia.
Portanto a resposta é que, até onde ainda se consegue enxergar,
não nos livraremos com rapidez desse miasma que nos asfixia. Mas não podemos
desistir e sim continuar a preservar e promover os mais elevados valores,
combater as mentiras, contrafações, mistificações e picaretagens em geral sempre
que aparecerem e nos blindarmos contra a irrefreável lama escatológica.
Para que, apesar de hoje mergulhados e chafurdando no barro
pegajoso, saiamos dele melhores. Como os nobres bombeiros-heróis em Brumadinho.
Grande Nemércio, excelentes reflexões. Há que se ter alguma paciência e muita resiliênca.
ResponderExcluirMelhoral, se ainda existisse, seria minha escolha após ler este bom texto. Abraço
ResponderExcluirA foto mais realista e verdadeira do nosso "modus vivende" atual.
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