quinta-feira, 16 de julho de 2020

Uma jornalista esmagada pela patrulha da polarização


Bari Weiss, articulista e editora americana que já trabalhou no Wall Street Journal e, há três anos, era editora de opinião e autora de artigos sobre cultura e política no New York Times, acaba de se demitir do jornal, publicando em seu blog uma contundente carta, cuja íntegra, que vale a pena ler, está em https://www.bariweiss.com/resignation-letter

Eleita no ano passado pelo jornal israelense Jerusalem Post como a sétima pessoa judia mais influente do mundo, Weiss – que se declara de centro-esquerda – decidiu sair do jornal por se sentir patrulhada, perseguida e atacada por extremistas.

“Fui contratada – escreveu – com o objetivo de trazer vozes que de outra forma não apareceriam nas [nossas] páginas: novos autores, pessoas de centro, conservadores e outros que não pensariam naturalmente no The Times como sua casa. A razão desse esforço era clara: a falha do jornal em prever o resultado da eleição de 2016 significava que ele não tinha uma percepção firme do país que cobre. [...] A prioridade na editoria de Opinião era ajudar a corrigir essa deficiência.”

No entanto, disse mais adiante: “O Twitter não está no cabeçalho do The New York Times. Mas o Twitter se tornou, em última análise, seu editor. Na medida em que a ética e o comportamento dessa plataforma passaram a ser os mesmos do jornal, o próprio jornal se tornou cada vez mais um espaço de performances. Matérias são escolhidas e apresentadas de maneira a satisfazer a mais estreita das audiências, em vez de possibilitar que um público curioso leia sobre o mundo e tire suas próprias conclusões. Sempre aprendi que os jornalistas têm de escrever o primeiro rascunho da Historia. Agora a própria Historia é mais uma coisa efêmera moldada para se adaptar às necessidades de uma narrativa pré-determinada.”

Consta que Julio César teria sido o primeiro a publicar um jornal, por volta de 70 A.C. Desde então e até as últimas décadas, jornalistas e especialmente donos de jornais sempre foram os intermediários entre as notícias e os leitores. O próprio New York Times, há 115 anos, tem como lema “All the news that´s fit to print” (Todas as noticias que é adequado publicar).

“É adequado publicar” segundo quem? Segundo os jornalistas e os donos do jornal, claro: os árbitros do que os leitores devem ou não ficar sabendo – notícias e opiniões – e com que destaque.

Só que a internet acabou como esse tradicional “monopólio”de intermediação. Todo mundo virou noticiador, opinador, editor, fotógrafo. O que permite também a proliferação de patrulhadores, atacadores, perseguidores.

Jornais e jornalistas se contorcem para sair desse beco (que não tem saída) e continuar a nortear a opinião pública, enquanto anônimos com ou sem agendas próprias e as novas figuras de “influenciadores digitais” – que incluem incontáveis mediocridades, manipuladores, faturadores etc., até robôs  – conquistam milhões de seguidores pelo planeta.

Bari Weiss, como toda a imprensa profissional do mundo, foi apanhada no contra-pé por esse processo transicional, que, por outro lado, beneficia tipos como Trump, Bolsonaro, Boris Johnson e outros do mesmo jaez.

Diz ela, em sua carta: “As lições que deveriam ter sido absorvidas após a eleição [de Trump] – lições sobre a importância de compreender outros americanos, a necessidade de resistir ao tribalismo e a centralidade do livre intercâmbio de ideias, para uma sociedade democrática – não foram aprendidas. Em vez disso, surgiu um novo consenso na imprensa, mas talvez especialmente neste jornal: que a verdade não é um processo de descobrimento coletivo, mas uma ortodoxia já conhecida por uns poucos iluminados cuja função é informar todas as outras pessoas.”

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